Está sempre activo o debate em torno das questões do financiamento da Segurança Social, do Serviço Nacional de Saúde, da Educação, e outras relacionadas, e a esse propósito gostaria de deixar aqui o meu contributo para esta discussão, centrando-me para já apenas nas questões relacionadas com os serviços prestados ou subsidiados pelo Estado (saúde, educação, transportes, etc) e deixando para outro texto a questão específica da Segurança Social.
Também não me ocuparei aqui das questões muito específicas das actividades culturais proporcionadas ou subsidiadas pelo Estado, embora de facto muito do que aqui escreverei também às mesmas se possa aplicar. Mas há de facto especificidades destas que aqui não cabem, sob pena de o texto não se conseguir focalizar num objecto concreto.
Passo então do preâmbulo necessário ao texto propriamente dito.
O modelo clássico de Estado Social, ou Estado Providência, baseia-se num princípio simples; os serviços de primeira necessidade (saúde, educação, transportes, abastecimento de água, luz, etc) são subsidiados pelos Estado, sendo que uns são fornecidos gratuitamente e outros a baixo custo. Por sua vez, o Estado angaria os fundos necessários através de um sistema de impostos onde, à partida, quem mais ganha mais paga. Está portanto subjacente a este modelo a noção de solidariedade, onde os cidadãos contribuem não só para o seu próprio benefício mas também suportando parcialmente os custos que o sistema tem com os cidadãos mais carenciados. Da mesma forma as regiões mais ricas suportam parcialmente o desenvolvimento das menos ricas e menos desenvolvidas.
A este modelo contrapõem algumas correntes de pensamento mais economicistas com o princípio do utilizador-pagador. Quem usa determinados serviços paga por eles e não há o direito de se pedir que quem não necessita dos ditos serviços esteja a pagar a utilização dos outros.
Em defesa desta tese, esgrimem-se algumas vezes argumentos populistas, do estilo “porque é que quem ganha muito não há-de pagar pelos serviços de saúde, (ou pela universidade, etc) se pode?”. O argumento não faz muito sentido, porque neste modelo quem mais ganha mais paga de impostos e portanto já paga a sua utilização do sistema público.
Ou então “Porque é que os cidadãos de Lisboa, ou do Porto, hão-de pagar pelas auto-estradas de Trás-Os-Montes, ou da Beira Interior, que muitos deles nunca usarão na vida”?
No limite, este princípio levado ao extremo levaria à diluição ou mesmo destruição do princípio de solidariedade (entre pessoas, entre regiões) subjacente ao sistema, e que eu diria que é um princípio base de natureza civilizacional, antes de mais nada.
E no entanto…
Sendo realista, há que reconhecer que:
- Somos um país pobre e não é exequível que todos os serviços públicos sejam integralmente financiados pelo orçamento de Estado, ou seja, pelos impostos;
- O princípio do utilizador-pagador já é aplicado há muito; a água, a luz, o gás de cidade, os transportes públicos, são serviços públicos onde parte do custo é pago pelos utilizadores proporcionalmente à utilização, e nestes casos o princípio é aceite por todos.
Parece-me portanto que a implementação de um sistema misto generalizado a todos estes serviços públicos, à semelhança do que já acontece nos exemplos que apontei acima, seria o ideal.
- Parte dos custos suportados pelo Estado;
- Parte suportado pelos utilizadores em função da utilização;
- Valores fixados deverão ser realistas, face ao rendimento médio real dos cidadãos, mas sem se aplicar o princípio de proporcionalidade nos custos conforme o rendimento;
- Cidadãos abaixo de um determinado limite de rendimento, variável em função do serviço em causa, estariam isentos (o limite para se estar isento das taxas de saúde seria diferente do limite para se estar isento das propinas universitárias, etc);
- A proporcionalidade ao rendimento continuaria a ser apenas garantida pelos impostos.
Obviamente que para garantir quer a saúde financeira do sistema, quer os princípios de justiça e solidariedade que lhe são subjacentes, duas coisas são fundamentais:
- Eliminação de despesas supérfluas do Estado, para que os cidadãos não sintam, como sentem hoje, que pagam impostos para fins inúteis;
- Investir na eficiência dos serviços, para que os cidadãos sintam, como sentem por exemplo nos países nórdicos, que têm efectivamente retorno dos seus impostos;
- Combater a fraude e evasão fiscais, para que todos suportem o sistema, e não só alguns;
- Explicar o modelo aos cidadãos, para que todos percebam o que pagam e porquê;
- Tratar o modelo de um ponto de vista global, com equilíbrio entre todas as suas componentes, para minimizar as necessidades de paliativos, remendos e medidas avulso;
- Elaborar um plano de médio/longo prazo que permita prever a evolução das receitas directas e o seu impacto numa eventual redução de impostos, sempre mantendo o desejável equilíbrio financeiro.
Chegado aqui, penso que não disse nada de realmente novo. Tudo o que enunciei me parece óbvio. Mas sê-lo-á mesmo?
O problema é que falar, ou escrever, é fácil. Difícil é realizar. Mas nada disto me parece irrealista nem irrealizável, se houver vontade.