É difícil falar de Cuba. E mais difícil o é sem cair nos habituais clichés ideológicos, pró ou contra o regime. E logo eu que nem sequer lá estive.
Para não fazer batota, digo desde já: eu apoio o actual regime cubano, e apoio Fidel. Apoio, sim; o que não quer dizer que ache o regime perfeito, que Cuba seja o paraíso na Terra, que Fidel seja um Deus ou sequer um super-homem. Não escondo que preferia que não existisse perseguição política aos opositores, que houvesse maior liberdade de imprensa, que os cubanos tivessem um nível de vida mais elevado. “Apoiar” não é “Endeusar”, nem pretender que tudo está bem.
Porque apoio, então?
Em primeiro lugar, há razões de coração; trata-se do último regime nascido de uma Revolução que tem por objectivo o Socialismo; posso não me reconhecer em todas as suas acções, mas reconheço-me nas bandeiras, e essas são importantes. Afectivamente, não posso deixar de estar com eles.
Depois, porque mesmo que o regime seja autoritário, à luz dos princípios democráticos ocidentais, parece-me haver da parte dos seus dirigentes um desejo real de servir o país e o povo. Em todos estes anos, nunca houve, ao contrário do que acontece diariamente com outros regimes considerados autoritários ou totalitários, nenhum escândalo que me lembre relacionando dirigentes cubanos com desvios de fundos, sabotagem económica, contas milionárias na Suíça, etc, etc. Ninguém parece ter enriquecido à conta da Revolução (eu sei, os dirigentes viverão certamente melhor do que o povo; mas isso não se pode confundir com enriquecimento, e se compararmos essas desigualdades com as desigualdades sociais existentes na restante América Latina, nada são).
Ao ouvir e ver dirigentes cubanos a falar, sinto neles uma sinceridade que me comove. Ingenuidade minha? Talvez. Mas quando vejo e ouço os anti-castristas, nomeadamente a “velha guarda” de Miami, não tenho dúvidas de que lado estou.
Posso ainda argumentar que Cuba e o seu governo invocam com razão que consideram que o pais está, embora não oficialmente, em guerra. Os EUA desde o início dos anos 60 que têm por objectivo o derrube do regime, e há mesmo uma verba anualmente orçamentada de apoio directo a organizações anti-castristas do interior e exterior, e que é da ordem das dezenas de milhões de dólares. Se isto não é guerra, o que é?
Não creio que seja justo, para denegrir Cuba, comparar a sua realidade com a dos EUA, ou mesmo só com a da Florida; Cuba é um país pequeno e pobre da América Central, não tem petróleo nem diamantes, e não há regime nenhum que vá mudar isso. E deve ser comparada com o Haiti, a República Dominicana, El Salvador, Nicarágua, Guatemala. Se essa comparação for feita honestamente, não duvido muito que será favorável aos cubanos, em termos do acesso à saúde, educação, desigualdades sociais, esperança média de vida, e até no capítulo das liberdades individuais e direitos humanos.
Vi há tempos com interesse um documentário da RTP sobre Cuba. Era um trabalho interessante, apontando aspectos positivos e negativos da realidade cubana, e até estou disposto a aceitar que seja factualmente correcto no que de negativo aponta. Mas notem o seguinte; ao falar da pobreza da população, das dificuldades da vida quotidiana, dos problemas económicos, a conclusão apontada era sempre a mesma: a culpa é do regime.
E eu pergunto; porquê esta conclusão aplicada a Cuba, e só a Cuba? Nunca vi em nenhuma peça jornalística televisiva sobre outros países pobres concluir que a causa dos seus problemas e tragédias fosse do “regime capitalista”; nesses casos, esses problemas e tragédias são sempre apontados como causados por questões históricas, estruturais, , falta de recursos naturais, vontade divina ou erro humano. Nunca vi o dedo acusador apontado ao “regime”, como se faz com Cuba.
Será que para muitos jornalistas e analistas políticos o “regime democrático” e a “economia de mercado” não são “regimes”, mas uma espécie de “ordem natural das coisas” absolutamente intocável e inquestionável, nunca podendo ser culpados do que corre mal, pelo simples facto de haver “liberdade política” e “liberdade económica”?