quarta-feira, setembro 26, 2007

A revisão do Código do Processo Penal

Na semana passada foi muito falada a revisão do Código do Processo Penal, e mais concretamente algumas consequências imediatas da sua aplicação, que resultou na libertação de alguns presos preventivos.

Como cidadão longe de conhecer os intrincados meandros do Direito, creio que o assunto merece alguma reflexão.

Num Estado de Direito, um cidadão é considerado inocente até ser considerado culpado por um tribunal. Isso não tem discussão possível, e consequentemente os prazos de prisão preventiva até agora aplicados nalguns casos eram verdadeiramente escandalosos e um atentado à liberdade individual.

Qualquer medida que vise corrigir esta situação é portanto uma medida justa e em sintonia com os princípios do Estado de Direito Democrático. O que é necessário é que se agilizem processos e mecanismos de forma a que se possa obter prazos curtos de prisão preventiva sem prejuízo do necessário julgamento dos suspeitos.

(Outra situação escandalosa é a das prescrições de processos, resultando na possível libertação de cidadãos culpados de crimes devido simplesmente à morosidade do sistema judicial).

Dito isto, o meu bom senso, talvez pouco sensível ao rigor do Direito, leva-me a dizer que:

- Não me parece que um cidadão que já foi condenado mas apresentou recurso deva ser equiparado para efeito de prazo de prisão preventiva a um que está ainda a aguardar o primeiro julgamento; nessa situação, não devia ser permitida a sua libertação;

- Devia haver um mecanismo que permitisse o alargamento do prazo de prisão preventiva para casos em que se possa considerar haver elevada probabilidade de risco para a vida ou integridade física de terceiros (ou mesmo do próprio) na eventualidade de libertação do suspeito.

A minha ignorância do Direito não me permite vislumbrar quais os mecanismos possíveis para cumprir os dois objectivos acima, mas creio que tal não será uma impossibilidade para um jurista.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Em defesa de Scolari

Scolari teve uma atitude irreflectida e condenável no final do jogo com a Sérvia, que todos nós, a começar por ele, gostaríamos que não tivesse acontecido. Ponto final. Não foi mais do que isso.

Nada justifica a campanha de crucificação de Scolari que tem sido de forma sistemática levada a cabo pela comunicação social.

Desde o início que houve alguma contestação à contratação de Scolari, com dois argumentos de base: a selecção devia ser treinada por um português, e o altíssimo salário que aufere.

Depois da chegada, Scolari não demorou tempo a fazer mais inimigos. Ao não prestar vassalagem ao presidente do FCP, recusando convites para acontecimentos sociais, encostando Vítor Baía, ganhou um inimigo poderoso, que desde então não tem perdido a menor oportunidade para o atacar, directamente ou através da sua vasta rede de influências e alianças.

Só assim se percebe a pronta reacção do secretário de estado do desporto, que vem a público atacar um profissional que muito fez pelo nome desportivo de Portugal. As responsabilidades governativas exigiam uma atitude de maior ponderação e sobretudo de algum respeito para com quem tem servido bem o deporto português, que é mais do que o secretário de estado alguma vez fez. Mas claro, sabemos as cumplicidades do senhor FCP com o PS e a influência que aquele tem nalguns sectores e pessoas do partido que nos governa.

Veja-se a gritante diferença entre o tratamento dado pela imprensa e televisão aos casos de João Pinto e dos jogadores do Euro 2000, e o que acontece agora. Naqueles casos, a atitude foi de condenação dos actos, mas defesa das pessoas envolvidas, a bem dos interesses da selecção e do futebol português. Foi uma atitude de “foi errado, mas são dos nossos, há que os defender”.

Agora não. Scolari pelos vistos não é “dos nossos”, até porque nem é português. Até o inenarrável presidente do sindicato de treinadores, que sempre defende “os seus” até no indefensável, vem a público criticar Scolari. A velha xenofobia vem sempre ao de cima, mais cedo ou mais tarde, mesmo que disfarçada de boas intenções.

Diz-se que “os amigos são para as ocasiões”. Scolari deve ter finalmente percebido que, em Portugal, amigos tem poucos. Mas, se calhar, bons. Se calhar, os que lhe interessam. Por isso deixo aqui a minha solidariedade com o treinador, e o meu aplauso a:

- Luís Filipe Vieira, o meu Presidente, o primeiro a ter a coragem de apoiar Scolari perante o coro de “virgens pudicas” que o atacavam;

- Os jogadores da Selecção Nacional, que se solidarizaram com o seu líder;

- A atitude ponderada e reflectida da FPF, que não reagiu a quente e assim possibilitou uma decisão que respeite a figura do treinador e o muito que já deu ao futebol português.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Nessun dorma

Pavarotti morreu, e é uma morte irreparável, como são sempre as mortes dos muito grandes. E Pavarotti foi enorme.

Nos últimos anos, quando a voz já não era o que tinha sido, mas ainda era suficiente para fazer chorar de vergonha mais de metade dos outros tenores do mundo, Pavarotti reinventou a noção de “superstar” aplicada ao mundo do canto lírico.

Foram discos e concertos em estádios e na TV para um público para o qual “cantar bem” é dar Dó’s de peito durante o maior período de tempo possível, coisa que ele fazia coma a facilidade dos predestinados. Podemos sorrir desdenhosamente dessa opção e desse público; mas o que interessa é que graças a Pavarotti milhões de pessoas no mundo inteiro ouviram pela primeira vez algumas das mais belas páginas da história da música cantada ocidental, e até passaram a alternar em casa os maiores êxitos pimba com o “Che gelida manina”, o “Nessun dorma”.

As novas tendências da ópera em palco, com o renascer da importância do lado teatral da ópera, exigindo aos cantores que fossem também quando em palco bons actores e sobretudo credíveis nos papéis limitaram um pouco as aparições do imenso Pavarotti em palco nos últimos anos.

Nada disto diminui o brilho de uma carreira extraordinária, nem a emoção provocada a cada audição pelos seus registos discográficos dos seus anos de ouro. Ah!, aquela Bohème de 77 com a Scotto; e a Traviatta com a Sutherland – e eu nem gosto particularmente da Sutherland.

Pavarotti não cantará mais. Mas, acredito, com o chegar de cada madrugada, vencerá.

segunda-feira, setembro 03, 2007

A propósito de Cuba

É difícil falar de Cuba. E mais difícil o é sem cair nos habituais clichés ideológicos, pró ou contra o regime. E logo eu que nem sequer lá estive.

Para não fazer batota, digo desde já: eu apoio o actual regime cubano, e apoio Fidel. Apoio, sim; o que não quer dizer que ache o regime perfeito, que Cuba seja o paraíso na Terra, que Fidel seja um Deus ou sequer um super-homem. Não escondo que preferia que não existisse perseguição política aos opositores, que houvesse maior liberdade de imprensa, que os cubanos tivessem um nível de vida mais elevado. “Apoiar” não é “Endeusar”, nem pretender que tudo está bem.

Porque apoio, então?

Em primeiro lugar, há razões de coração; trata-se do último regime nascido de uma Revolução que tem por objectivo o Socialismo; posso não me reconhecer em todas as suas acções, mas reconheço-me nas bandeiras, e essas são importantes. Afectivamente, não posso deixar de estar com eles.

Depois, porque mesmo que o regime seja autoritário, à luz dos princípios democráticos ocidentais, parece-me haver da parte dos seus dirigentes um desejo real de servir o país e o povo. Em todos estes anos, nunca houve, ao contrário do que acontece diariamente com outros regimes considerados autoritários ou totalitários, nenhum escândalo que me lembre relacionando dirigentes cubanos com desvios de fundos, sabotagem económica, contas milionárias na Suíça, etc, etc. Ninguém parece ter enriquecido à conta da Revolução (eu sei, os dirigentes viverão certamente melhor do que o povo; mas isso não se pode confundir com enriquecimento, e se compararmos essas desigualdades com as desigualdades sociais existentes na restante América Latina, nada são).

Ao ouvir e ver dirigentes cubanos a falar, sinto neles uma sinceridade que me comove. Ingenuidade minha? Talvez. Mas quando vejo e ouço os anti-castristas, nomeadamente a “velha guarda” de Miami, não tenho dúvidas de que lado estou.

Posso ainda argumentar que Cuba e o seu governo invocam com razão que consideram que o pais está, embora não oficialmente, em guerra. Os EUA desde o início dos anos 60 que têm por objectivo o derrube do regime, e há mesmo uma verba anualmente orçamentada de apoio directo a organizações anti-castristas do interior e exterior, e que é da ordem das dezenas de milhões de dólares. Se isto não é guerra, o que é?

Não creio que seja justo, para denegrir Cuba, comparar a sua realidade com a dos EUA, ou mesmo só com a da Florida; Cuba é um país pequeno e pobre da América Central, não tem petróleo nem diamantes, e não há regime nenhum que vá mudar isso. E deve ser comparada com o Haiti, a República Dominicana, El Salvador, Nicarágua, Guatemala. Se essa comparação for feita honestamente, não duvido muito que será favorável aos cubanos, em termos do acesso à saúde, educação, desigualdades sociais, esperança média de vida, e até no capítulo das liberdades individuais e direitos humanos.

Vi há tempos com interesse um documentário da RTP sobre Cuba. Era um trabalho interessante, apontando aspectos positivos e negativos da realidade cubana, e até estou disposto a aceitar que seja factualmente correcto no que de negativo aponta. Mas notem o seguinte; ao falar da pobreza da população, das dificuldades da vida quotidiana, dos problemas económicos, a conclusão apontada era sempre a mesma: a culpa é do regime.

E eu pergunto; porquê esta conclusão aplicada a Cuba, e só a Cuba? Nunca vi em nenhuma peça jornalística televisiva sobre outros países pobres concluir que a causa dos seus problemas e tragédias fosse do “regime capitalista”; nesses casos, esses problemas e tragédias são sempre apontados como causados por questões históricas, estruturais, , falta de recursos naturais, vontade divina ou erro humano. Nunca vi o dedo acusador apontado ao “regime”, como se faz com Cuba.

Será que para muitos jornalistas e analistas políticos o “regime democrático” e a “economia de mercado” não são “regimes”, mas uma espécie de “ordem natural das coisas” absolutamente intocável e inquestionável, nunca podendo ser culpados do que corre mal, pelo simples facto de haver “liberdade política” e “liberdade económica”?