segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Em defesa da ASAE

Está na moda dizer mal da ASAE. As pessoas dizem mal da ASAE, os “media” contestam a ASAE, até o presidente da república que desgraçadamente nos calhou em sorte faz piadas sobre a ASAE.

Eu não entendo. Não deve haver nenhum frequentador habitual de restaurantes em Portugal, ou pelo menos em Lisboa (ou seja, pelo menos à hora de almoço praticamente toda a população activa), que não se apercebesse e aperceba ainda das condições duvidosas ou mesmo deploráveis nas quais alguns funcionavam. Todos nós testemunhámos pelo menos uma vez ou ouvimos histórias lamentáveis resultantes de falta de higiene em muitos estabelecimentos (que me abstenho de repetir aqui). Mas quando aparece uma entidade que se propões, e consegue, pôr cobro a essa situação, ainda por cima utilizando como arma o estrito aplicar da lei, “aqui d’el rei” que “não pode ser”.

Um dos argumentos prende-se com a atitude que seria prepotente e arrogante da ASAE. Mas o facto é que nos vários artigos que li sobre o tema, esta questão é sempre referida mas nunca a vi fundamentada – no sítio tal, às tantas horas, aconteceu isto e isto e etc.. Generalizou-se esta opinião, mas não sei exactamente com base em quê.

Outro dos argumentos é o do perigo em que estarão alguns pratos tradicionais da nossa cozinha. Ora bem. Se esse perigo existe, ele não vem da ASAE, mas da lei, que a ASAE aplica. Logo, seria preciso na defesa dessa tradição atacar a lei e tomar medidas para a sua modificação, e não atacar a ASAE.

Mas é preciso também reconhecer que, com ou sem ASAE, muitos desses pratos estão condenados a desaparecer dos restaurantes, em nome da saúde pública, nomeadamente aqueles que envolvem a manipulação e uso de sangue de animais, como sejam o arroz de cabidela e as papas de sarrabulho. Só vão poder sobreviver em casas particulares, ou então eventualmente em restaurantes dedicados a esses partos que consigam por via dessa dedicação cumprir os requisitos legais sem por isso perderem nem qualidade nem rentabilidade. Eu também tenho saudades de umas iscas feitas com fígado de vitela ou mesmo de vaca, muito superiores às de porco; mas depois das “vacas loucas”, isso tornou-se impossível, a bem da saúde pública. Tal como a “gripe das aves” trouxe proibições temporárias de consumo destes animais. É inevitável que o mesmo aconteça provavelmente a outros pratos e produtos.

O que me parece é que em Portugal em geral temos maus legisladores, o que resulta em más leis. Não más pelo objectivo ou intenção, mas tecnicamente más, cheias de falhas, imprecisões, omissões, ambiguidades, incompletas e com outros “buracos” que, imagino, farão a delícia dos advogados quando têm de as contornar ou combater.

O que se espera depois, muito “à portuguesa”, é que as leis sejam aplicadas com “bom senso”. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que se espera dos implementadores e fiscalizadores das nossas leis, não que as implementem e fiscalizem, mas que usem o seu próprio critério, a que se chama eufemisticamente “bom senso”, para colmatar os erros e defeitos que a lei possa ter, “completando” e “corrigindo” o trabalho dos legisladores.

Na prática, isto significa o quê? Que a lei é aplicada consoante o critério pessoal, ou moral, religioso, político, etc., de quem em cada situação se encarrega de a aplicar ou de fiscalizar a sua aplicação. O que abre obviamente as portas escancaradas às amizades, compadrios, influências, e em casos extremos à corrupção. Isto é o contrário do Estado de Direito, porque a aplicação da lei se “dobra” a vontades ou interesses particulares. Isto é o que, bem “à portuguesa”, um jurista com Marcelo Rebelo de Sousa, toldado pela emoção e ideologia, defendia para a questão do aborto (não se revoga, mas também na prática não se aplica a lei que condenava as mulheres à prisão pelo acto de abortar).

Meus senhores. Se a ASAE pratica pontualmente actos condenáveis por abuso de poder ou prepotência ou uso desproporcionado da força, é claro que esses actos devem ser denunciados e tomadas as medidas para que se não repitam. Fora isso, deixem-nos cumprir a sua missão. A contestar algo, contestem então a lei, e que se necessário a lei se mude e se aplique conforme é, e não conforme o “bom senso”.