sexta-feira, agosto 29, 2008

A Caixa de Pandora

A estapafúrdia “independência” do Kosovo e o seu reconhecimento pela “comunidade internacional” abriu a caixa de Pandora. A Rússia encontrou já uma maneira de aproveitar este precedente e anexar uma parte do território da Geórgia com, base em duas outras “independências”, da Ossétia do Sul e da Abkházia, tão fictícias e tão legítimas como a do Kosovo. Enquanto, obviamente, nega o mesmo à Tchétchénia.

Independentemente das questões ideológicas, nunca fui dos que embarquei na euforia dos analistas que quando da queda do Bloco Socialista previam o início de uma era de Democracia e Paz na Europa e no Mundo, finda que estava a “ameaça soviética”. Pensar isto era esquecer o que hoje já parece óbvio; é que se a dita “ameaça soviética” era oficialmente devida à questão ideológica de Comunismo vs. Capitalismo, ela estava também profundamente ancorada no nacionalismo expansionista russo, que teve nessa altura via URSS um poder em termos militares e de influência política e militar a nível global que os antigos czares nem sonhavam ser possível.

Com o fim da URSS, Jugoslávia e do Bloco Socialista, as tensões milenares existentes quer nos Balcãs quer entre muitas das ex-repúblicas soviéticas vieram ao de cima, com as consequências que conhecemos. Mas até ao Kosovo, sempre a ONU tentou respeitar as antigas fronteiras na resolução dos conflitos, mesmo no muito complicado caso da Bósnia-Herzegovina.

Só que o ressentimento do chamado Ocidente em relação aos Sérvios não se dissipou, e o Kosovo foi usado com arma para uma “lição final” à Sérvia, como se ela fosse a única responsável pela tragédia balcânica dos anos 90. O prémio, a “cenoura depois do chicote”, será a futura adesão da Sérvia à EU. Primeiro a humilhação, depois o dinheiro. As relações de poder não mudam, entre pessoas como entre nações, com o passar do tempo.

E agora? Se a Sérvia não tem quaisquer condições para responder aos seus inimigos e teve de aceitar esta amputação do seu território, há quem aproveite o precedente, como disse acima.

A Rússia, passado já o período mais conturbado do pós-URSS, recupera com Putin uma parte do seu antigo poderio que lhe permite já voltar a enfrentar o chamado Ocidente e fazer valer a sua “razão” em questões que dizem respeito à sua vizinhança próxima, fazendo com que o feitiço se volte contra o feiticeiro.

É preciso dizer que a actuação recente dos EUA e UE chamando para sua esfera de influência não só política mas também militar (via NATO) países vizinhos ou próximos da Rússia, como a Polónia e a Ucrânia, é naturalmente vista pelo poder russo como uma ameaça directa à sua segurança – e não me parece um ponto de vista errado, para quem for russo. Pois se uma super-potência como os EUA ainda se sente ameaçado pela pequena Cuba, o que dirão os Russos ao verem mísseis da NATO instalados junto às suas fronteiras?

Teria havido ingenuidade dos EUA e Europa Ocidental ao pressuporem que a queda dos regimes comunistas traria de facto automaticamente a tal nova era à Europa? Não creio que fosse o caso. O objectivo primeiro era abrir esses países, imensos territórios com milhões de pessoas, à sacrossanta Economia de Mercado, com o subsequente surgir de extraordinárias oportunidades de negócio antes inexistentes. Isto era o essencial, e não a Democracia nem a Paz. Estes são valores que só interessam se, onde e quando podem potenciar o florescimento dos negócios globais. Mas se tiverem de ser dispensados, são-no sem hesitação.