quarta-feira, janeiro 31, 2007

BENFICA, PARA LÁ DO FUTEBOL

Depois de algumas semanas sem escrever sobre o Benfica, deu-me agora a gana. E verifiquei preocupado que, ao contrário do que tinha prometido a mim mesmo, até agora só escrevi sobre futebol. Vergonha! Hoje rectifico esta falha.

1 – Basquetebol

A equipa está a fazer uma boa época, sem dúvida a melhor dos últimos anos, embora algumas dúvidas surjam porque nos dois momentos mais cruciais até agora falhou. Chegámos à final do “Torneio dos Campeões” (nome pomposo para o torneio de abertura) e à final da Taça da Liga, o que é muito bom, mas perdemos ambas, o que já não é tão bom. No Campeonato vamos num excelente 2º lugar, o melhor desde há muitos anos, mas ainda não conseguimos vencer a Ovarense.

O título decide-se em playoff, pelo que tudo está em aberto. E falta ainda a Taça de Portugal. Para já, a Ovarense parece ser a melhor equipa, com Benfica e FC Porto como “challengers”. Mas no basquete há surpresas, como provam o Ginásio o ano passado, que foi finalista da Liga eliminando no playoff Porto e Benfica, ou já esta época a vitória na Taça da Liga do Lusitânia, derrotando também Porto e Benfica.

2 – Andebol

Excelente! O Alexander Donner é mesmo um grande treinador. Estamos em primeiro na Liga, ganhámos a Taça da Liga, primeiro título em 13 anos. Tal como no basquetebol, há playoff e falta ainda a Taça de Portugal. Mas já nos afirmámos como uma das melhores equipas do país, juntamente com ABC, Belenenses e FC Porto. As hipóteses são iguais para estes quatro candidatos.

3 – Voleibol

Menos bom. Estamos apenas em 3º no campeonato, e temos perdido com os dois principais rivais, o Sp. Espinho e o V. Guimarães, pelo que o título se afigura difícil. Mas em playoff tudo pode acontecer, e falta também a Taça.

4 – Hóquei em Patins

Estamos em segundo, mas nos confrontos directos com o FC Porto nunca perdemos (também nunca ganhámos). Logo, tudo em aberto. Creio, mas não tenho a certeza, que este ano pela primeira vez há playoff. Se assim for, as nossas hipóteses são boas, em igualdade com FC Porto, embora Óquei de Barcelos, Oliveirense e Juventude de Viana possam ter uma palavra a dizer.

5 – Futsal

Estamos neste momento em 2º, muito em cima do 1º, e este ano há playoff. Somos candidatos claros ao título, a discutir com Sporting e F.J. Antunes.

6- Ciclismo

Única modalidade sem bola de que vou falar. Para já, ainda não houve competição, mas já temos a primeira “vitória”: fomos a única equipa portuguesa aceite no escalão “Comtinental Professional”, o segundo escalão da Federação Internacional, o que nos abre as portas de algumas competições internacionais interessantes, embora não ainda das três grandes Voltas.

Com José Azevedo a chefe-de-fila e alguns bons ciclistas a acompanhá-lo, espera-se uma boa época.

terça-feira, janeiro 30, 2007

BENFICA, INÍCIO DE 2007

Começou o ano, começou a Taça a sério, começou a 2ª volta do Campeonato. Parece-me uma boa altura para fazer um balanço.

É inegável que a equipa está bastante melhor. A defesa finalmente está segura, o meio campo parece ter assimilado as ideias tácticas do treinador, e o ataque funciona, dentro das limitações inerentes à falta de um “matador”, falta essa que se discute no Benfica para aí há trinta anos.

Como quase toda a gente, também eu torci o nariz a Fernando Santos quando da sua contratação. Mas é característica minha dar sempre o benefício da dúvida a qualquer treinador do Benfica. Entendo que quem contrata não é tonto, e a este nível estamos sempre a falar de treinadores ou de topo ou, como é o caso, pelo menos de uma 2ª linha de bom nível.

O sucesso ou insucesso depende sobretudo da boa ligação entre as ideias do treinador e a capacidade da equipa. Além, claro, de factores externos, como as lesões, os árbitros, o calendário, a sorte.

Creio que Fernando Santos conseguiu moldar a equipa às suas ideias sem destruir hábitos e rotinas vindos do passado. Foi uma evolução na continuidade que resultou bem como noutras circunstâncias poderia resultar bem uma total ruptura (veja-se Adriaanse no FCP o ano passado).

E daqui para a frente?

Não escondo que estou apreensivo com a defesa. As saídas inesperadas de Alcides e Ricardo Rocha precisavam de ser bem compensadas, e tal não aconteceu. Não me parece que seja um jovem de 19 anos e sem experiência do futebol europeu quem possa colmatar estas ausências. Talvez tenha sido precipitada a saída de Alcides, tão longe do fecho do mercado e sem se saber se surgiria, como surgiu, outra saída que fosse inevitável. Agora, Alcides faz falta. De Rocha nem se fala, mas provavelmente não foi possível evitar que saísse.

É claro que a dupla Luisão-Anderson é de qualidade inquestionável, mas se houver lesões e cartões vai ser um problema. E agora nem há “equipa B” para ir buscar pontualmente jogadores. Será ainda possível fazer regressar o José Fonte? Ou haverá uma surpresa de última hora?

No meio campo, tudo parece bem. Infelizmente perdemos o Nuno Assis, mas regressou o Rui Costa. A maior dor de cabeça vai ser como encaixar Rui Costa e Simão. Mas abundância de qualidade nunca fez mal a ninguém, desde que não seja excessiva e continue a permitir a todos alguma oportunidade.

No ataque, talvez Kikin merecesse ficar. No entanto, parece evidente que FS não apreciava particularmente as suas características , ou melhor dizendo a adequação das mesmas ao modelo de jogo da equipa. Perante isto, talvez a saída se justifique. Quanto a Derlei, acho que por empréstimo foi uma boa opção, embora esta apreciação fique condicionada por não saber quanto vai o Benfica pagar de salário ao jogador.

Não me parece que haja mais reforços, mas penso que ainda estamos a tempo de atacar o título, e vencer a Taça de Portugal. Quanto à Taça UEFA, depende um bocado do sorteio pós-Dínamo (que temos obrigação de eliminar). E depende muito da conjugação das três provas. Vencer as três seria um feito extraordinário, mas que me parece algo irrealista face à dimensão qualitativa do plantel e à capacidade física da equipa.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

COMENTÁRIOS

Depois de alguma insistência de amigos meus que são também leitores regulares do blog, resolvi abrir o mesmo a comentários.

Os comentários serão moderados por mim. Publicarei todos os que tenham relevância e estejam devidamente assinados por nome próprio e apelido.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

CINEMA E TEATRO

Sempre que o Cinema filma o Teatro, o que resulta? Onde começa o Cinema e acaba o mero Teatro filmado? Questão já muitas vezes debatida.

Há uma definição possível, mas muito extrema. Seria Teatro Filmado sempre que se filmasse uma encenação teatral pré-existente e de um ponto de vista neutro (câmara fixa na boca de cena, ou num qualquer ponto do que seria a plateia.

O problema reside não na definição em si, mas no seu contrário; tudo (estamos sempre no âmbito de filmar material de origem teatral) o que não correspondesse ao método acima enunciado teria forçosamente de ser Cinema.

Se pensarmos no exemplo da filmagem televisiva de produções teatrais, incluindo óperas e teatro musical, teriam pela definição acima quase todas estas produções de ser consideradas Cinema, já que nunca, ou quase nunca, adoptam um ponto de vista neutro mas recorrem normalmente a todo um arsenal de elementos sintácticos cinematográficos para sublinharem a sua natureza de filmagem (entendida aqui de um ponto de vista estritamente técnico). Porque é que então temos dificuldade em aceitá-las como Cinema? Porque precisamente se trata de um uso funcional da linguagem cinematográfica, e não de um uso artístico; todo o trabalho que reconhecemos como criativo está do lado do objecto filmado, isto é, do Teatro.


Uma outra definição possível é a seguinte. Será Teatro Filmado sempre que o responsável pela filmagem (o realizador, que escolhe os planos, os movimentos de câmara, ou seja, tudo o que é estritamente ligado à forma de filmar) não seja também o responsável pelo que é filmado (existindo outro, um encenador, que decide e dirige os cenários, iluminação, actores, ou seja, tudo o que é o teatro que face à câmara e independentemente desta se desenrola).

Sempre que a responsabilidade criativa pela totalidade do objecto criado seja de uma só pessoa, o Realizador-Autor, então teremos Cinema.

Neste sentido, um filme como o recente “Chicago” é sobretudo Teatro filmado; todo o trabalho criativo que ali se vislumbra vem da encenação de Bob Fosse, e não do trabalho do realizador, que nem me lembro quem é. Apesar de, neste caso, ele, realizador, tenha a responsabilidade de recriar a encenação de Fosse e decidir sobre vários aspectos dessa encenação, incluindo a direcção de actores; o que de certa forma coloca “Chicago” como um produto híbrido situado algures entre os dois pólos.

Nos antípodas temos por exemplo o magnífico “Antígona”, de Jean-Marie Straub e Danièle Hullet, que vi ontem; apesar de Straub-Huillet sublinharem “a priori” a natureza de filmagem de uma peça teatral, incluindo a expressa referência no título à encenação de Brecht em 1948, o facto é que tudo no que nos é dado a ver é Cinema, Cinema que filma Teatro e não o nega, mas com um uso próprio, intencional e não neutro da linguagem cinematográfica, do que resulta um objecto a três vozes (e que três vozes! - Sófocles, Brecht e Straub-Huillet) que ultrapassa em muito o que seria uma mera filmagem da peça.

Um outro exemplo muito curioso é o “Hamlet” que Peter Brooks produziu e filmou para televisão. Brooks foi o responsável artístico por toda a produção, e no entanto tudo nela se sente como “teatro televisivo”; porquê? Creio que porque Brooks é essencialmente um homem do Teatro, e o espectador nota que são os “valores teatrais” (primazia do texto e da dicção nas interpretações, uso dos cenários) que aqui levam a melhor sobre os “valores cinematográficos” (como realizador de Cinema, Brooks é bastante convencional e, de facto, televisivo). No entanto, este objecto televisivo é mais do que muitos outros uma obra de Autor, e como tal deveria ser reconhecido como Cinema, se seguirmos a definição acima.

Há ainda Manckiewciz, um caso provavelmente único, que escrevia e produzia Teatro com o único objectivo de o transformar em Cinema.

E também Oliveira, que fazia falso teatro filmado em Amor de Perdição e Francisca, com a sua rigorosa mise-en-scène a fingir que era apenas, como ele próprio dizia, “um meio audiovisual de fixar o teatro”, palavras que a obra desmente.

A História do Cinema está cheia de exemplos que dariam para vários livros, desde as adaptações Shakesperianas de Laurence Olivier ou Orson Welles até à peças de Fasbinder filmadas pelo próprio ou por Daniel Schmid, passando pelas muitas adaptações cinematográficas “mainstream” de Tennessee Williams e Eugene O’Neill. Cada caso é um caso, e o tema é inesgotável.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

AS CINEMATECAS E A PROJECÇÃO DIGITAL

Hoje em dia o chamado “Cinema em Casa” tem já um nível de divulgação bastante elevado.

A oferta de filmes em DVD não só acompanha a generalidade da produção actual “mainstream”, como neste momento já permite o acesso a jóias do cinema mundial de todas as épocas que até agora eram mais ou menos inacessíveis, e muitas vezes com uma qualidade técnica excelente.

Por sua vez, os meios de reprodução destes DVDs, nomeadamente os projectores digitais, permitem que os mesmos se vejam neste suporte com uma qualidade que já pouco ou nada se distingue da projecção no tradicional suporte de 35mm.

Face a isto, penso que poderia ser vantajoso para as Cinematecas e afins de todo o mundo, como organizações de carácter divulgador mas não lucrativo que são, chegarem a acordo com as principais editoras mundiais que lhes permitisse usar as cópias em DVD existentes no mercado para as suas sessões ao público.

Teria este acordo várias vantagens. A maior delas seria colocar ao alcance das Cinematecas o vasto património já existente, onde se encontram provavelmente milhares de títulos de difícil ou impossível acesso em suporte fílmico.

Evitaria ainda o desgaste das cópias existentes de filmes raros, já que a película se degrada inevitavelmente com as sucessivas exibições e com o transporte a que os sucessivos empréstimos de cópias entre Cinematecas obriga.

Evitaria ainda os custos e trabalho administrativo associado à constante necessidade de recorrer ao património de outras instituições para se exibir a maioria dos filmes.

Permitiria ainda a disponibilização ao público mais especializado, por exemplo estudiosos do cinema e alunos de escolas de cinema, de uma vasta DVDteca passível de consulta através de terminais instalados nas Cinematecas.

E em nada impediria que, sempre que possível ou necessário, continuasse a estar disponível a projecção tradicional.

Há quem objecte que a qualidade da projecção digital ainda não iguala a da projecção em suporte fílmico, já que as características de textura e cromáticas não são as mesmas.

Concordo com este argumento, mas não penso que seja suficiente para recusar liminarmente a projecção digital.

Admito que um filme de 35mm em excelente condição ainda supera o suporte digital, tal como um excelente disco vinil supera em muito a qualidade sonora de um CD. Mas a questão é: quantas vezes consegue uma Cinemateca um filme nestas condições? Muitas vezes o que temos são cópias desgastadas pela passagem do tempo, com riscos, saltos entre bobines, degradação cromática.

Em muitos destes casos, poderia se possível encontrar cópias em DVD em melhor condição. E já nem falo nas cópias em 16mm, tão comuns nas sessões das Cinematecas; aqui, não tenho qualquer dúvida que uma boa cópia em DVD, tirada de uma master de 35mm, supera em muito a qualidade do 16mm em suporte fílmico. E se o filme for a cores e em “scope”, a vantagem do DVD sobre o 16mm torna-se enorme.

Por tudo isto penso que seria vantajoso para todos que esta hipótese fosse encarada.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

DESPENALIZAÇÃO SIM, POIS CLARO!

Estamos já muito perto da data do referendo sobre a Interrupção voluntária da Gravidez (IVG), pelo que, apesar de tudo ou quase tudo já ter sido dito sobre o tema, resolvo-me também a escrever algo e tentar com isso dar a minha contribuição.

Entendamo-nos: não creio que ninguém seja “a favor do aborto”, ou seja, ninguém que goze da plenitude das suas faculdades mentais acha que o aborto deve ser usado indiscriminadamente como alternativa aos métodos contraceptivos. Abortar é e será sempre uma decisão extrema e dolorosa, e essencialmente é-o para quem de facto é o sujeito dessa decisão, a mulher.

Não ignoro que em termos éticos, morais, e até biológicos e médicos, estamos numa zona cinzenta, e cada um acabará por decidir segundo as suas convicções e não segundo qualquer lógica racional, que num assunto como este até pode existir mas não terá nunca uma conclusão única e científica. Discutir se até às dez semanas há ou não vida, se é ou não vida autónoma, se é ou não vida humana, é uma discussão sem fim e sem conclusão à vista. Por aí, não vamos lá.

A decisão tem pura e simplesmente de se basear em valores. Cada um deve perguntar a si mesmo qual ou quais os valores que devem prevalecer. Para mim, é claro; o valor prevalecente é que esta é uma decisão que deve caber apenas e só à mulher grávida, e a lei deve ser tal que lhe dá esse direito a decidir. Como tal, o único voto possível é o “SIM”.

A campanha do “não” envereda como habitualmente por tácticas que vão do sentimentalismo telenovelesco (“abortar quando bate um coração? Não”), passam pelo populismo miserabilista (“pagar abortos com os meus impostos? Não”) e acabam no puro e simples terrorismo (divulgação de estudos e dados falsos ou falsificados, divulgação de imagens chocantes de fetos abortados).

É preciso denunciar esta gente. É preciso dizer que neste combate quem está do lado do “não” são as mesmas forças que noutros combates estão também do lado de todas as iniciativas que poderão a médio prazo reduzir a necessidade de recorrência à IVG. São estas forças que agora falam em nome da”vida” e da “maternidade responsável” que também se opõem à educação sexual nas escolas, ao uso de preservativos, ao uso de contraceptivos, ao acesso de menores não acompanhadas a consultas de planeamento familiar, etc.. Deixemo-nos de hipocrisias; do lado do “não” está todo o conservadorismo católico, e os seus valores são esses e mais nenhuns.

De qualquer forma, é preciso prepararmo-nos porque o pior ainda está para vir. Se o “SIM” ganhar, os nossos adversários já estão preparados para continuar o combate.

Vamos ter de nos defrontar com o boicote de profissionais de saúde, sob a forma de “objecção de consciência” ou outras. Vamos ter de resolver o problema de um SNS que não vai poder dar resposta às solicitações. Vamos ter de enfrentar a ganância das clínicas privadas, que verão aqui mais uma oportunidade de negócio.

Mas, sobretudo, vamos ter de continuar o combate de mentalidades e valores que permitam o flagelo do aborto clandestino seja efectivamente erradicado, o que não se garante apenas com a vitória no referendo.

Se uma adolescente, por exemplo, engravida porque não consegue dos pais o apoio necessário para ter livre acesso a contraceptivos, como vai ela recorrer ao SNS para abortar, se para isso tem de comunicar aos pais a sua gravidez? Provavelmente não vai. Ou uma mulher solteira ou viúva engravida fora do casamento e quer esconder o facto da comunidade que o condena, como vai recorrer ao SNS sem que tal seja sabido? Provavelmente não vai. Enquanto estas questões, e outras similares, não forem resolvidas, receio bem que o aborto clandestino vá continuar como antes.

É necessário, portanto, votar “SIM”, mas com a plena consciência que se trata apenas de uma batalha. Fundamental e decisiva, sim, mas não final. O difícil começa no dia seguinte.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

THE DEPARTED

“The Departed”, de Scorsese, que finalmente vi ontem, é um filme sob o signo da duplicação e da duplicidade. O tema base da relação pai-filho não biológica mas escolhida, por afecto de um e interesse do outro, do engano e da traição, que eram o centro de “The Gangs of New York”, é aqui retomado e multiplicado em efeito caleidoscópico.

Abrimos com dois protagonistas. Sem batotas, montagem paralela a não deixar dúvidas sobre o que se pretende dizer. Cada um deles é um duplo do outro. Ambos são órfãos de pai. Ambos estão destacados em missões que os obrigam a uma vida dupla. E no decorrer do filme vão ambos amar, ser amados e ser amantes da mesma mulher (e qualquer um deles poderá ser o pai do seu filho).

A partir daqui estabelecem-se uma estrutura toda ela assente em pares. As relações marcantes entre personangens são todas a dois; de cada uma das personagens principais partem exactamente duas dessas relações, formando todas elas uma sucessão de triângulos, mas "abertos", porque os dois vértices "secundários" não se ligam entre si (não há aqui uma estrutura de grupo interdependente, nem uma relação tipo “estrela” com um centro forte e várias personagens em torno dele).

Seria fácil exemplificar esta estrutura graficamente. Em texto é mais difícil, mas vou tentar.

Cada um dos protagonistas, Matt Damon e Leonardo Di Caprio, tem duas relações de lealdade profissional e quase-filial; Damon com Jack Nicholson e com Alec Baldwin, Di Caprio com Nicholson e com Martin Sheen (sendo que em ambos os casos uma das relações é real e biunívoca e a outra motivada apenas pelo interesse do protagonista).

Nicholson tem por sua vez, como resulta do parágrafo anterior, duas relações quase paternais, com Damon e Di Caprio. E Martin Sheen também as tem, com Damon e Mark Wahlberg. O que nos leva a que se possam ver Nicholson e Sheen como duplos um do outro, à semelhança de Damon e Di Caprio.

Esta é uma estrutura tipo cristal, sólida mas dependente de relações base muito simples, e que só se mantém unida enquanto nenhuma dessas relações base se rompe. Quando isso acontece, quando a desconfiança leva Damon a romper a relação com Nicholson, tudo se desmorona.

No final desta cadeia fica Mark Wahlberg, a única personagem principal masculina que tem uma e uma só relação, com Martin Sheen. Quando esta se quebra, quebram-se todos os laços com o resto do mundo, e a personagem desaparece para só reaparecer no final, como “anjo vingador” num acto de irónica justiça já totalmente desligado da teia de conflitos que destruiu todos os outros, amigos e inimigos.

Um pouco à margem está única personagem feminina, interpretada pela extraordinária e desconhecida, pelo menos para mim, Vera Farmiga. Também nela está presente a dualidade, através do amor que dá a Damon e Di Caprio (o que também faz dela, se não um “duplo”, pelo menos uma personagem paralela à de Nicholson). Mas sendo estas relações de natureza diversa das que unem as restantes personagens, ela, tal como Wahlberg, também não é arrastada na voragem final, e sobrevive.

Assente nesta estrutura perfeita e tão simples, desenrolam-se os acontecimentos de uma peça não imoral mas amoral, no sentido de que tudo é ambíguo, a verdade não é encontrável, a traição e a lealdade são circunstanciais e relativas (daria um outro texto só abordar o filme sob a perspectiva dos enganos e traições que nele ocorrem). Não há Moral porque esta não é sequer subvertida, apenas deixou de ser possível, num mundo em que até a Igreja perdeu papel de referência que tivera em tempos, como é dito em off no início do filme (e se recordarmos por exemplo a saga dos “Padrinhos” ou os filmes ítalo-americanos de Scorsese nos meios do crime, é fácil reconhecer esse papel referencial imprescindível que a Igreja Católica tem nesse mundo).

Estará Scorsese, reconhecido católico, a atravessar uma crise de Fé? Estamos aqui muito mais perto da tragédia grega, na qual quando os Deuses se divertem à custa dos homens, já não há sequer a possibilidade de redenção. O “Tout est Grâce” de Bresson transforma-se numa interrogação cruel.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

BAGATELAS

Sinto a necessidade de escrever um post para tentar manter alguma regularidade nesta actividade e impedir que a minha proverbial preguiça a mate, mas estou sem grande inspiração e olhando à minha volta também não encontro grande motivação.

Há, é claro, a importantíssima questão do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. Sobre isso farei um texto específico, mas hoje não.

Em Portugal nada acontece, tirando os números patéticos do presidente Silva. Já tivemos Presidentes que nos falavam nos momentos informais de livros, de quadros, de música, da resistência anti-salazarista. Hoje temos um que nos fala de lanches e de boletins de totobola.

O governo continua na sua saga de medidas avulsas, algumas meritórias, outras um bocado mesquinhas, a que a oposição se opõe, como é seu dever, com razões várias avulsas, algumas meritórias, outras um bocado mesquinhas. Ninguém parece ter uma noção minimamente clara do que quer e para onde vai, e todos vão fazendo navegação à vista de costa. Provavelmente, no actual contexto político e económico europeu e mundial, também não seria possível fazer muito diferente, nem muito melhor.

O processo Casa Pia parece ter morrido, cansados que estão os jornais e televisões do mesmo. Agora é o Apito Dourado que está na moda, mas a menos que aconteça algo de espectacular, com a prisão de algum alto dirigente futebolístico, acabará por morrer também.

Felizmente que há umas exposições interessantes para ver, o Amadeo, e a instalação de Pedro Cabrita Reis no CAM. E, para os fãs, a do Star Wars no adequadíssimo espaço do Museu de Electricidade, que contribui tanto quanto os objectos galáticos para a excelência do resultado final.

De filmes não há nada de muito especial, envergonho-me de dizer que ainda não vi o Scorsese; anunciam-se para breve o Lynch e os dois Clint, Clint que de mal-amado pelo establishment crítico há vinte ou trinta anos passou a incensado como o “último dos cineastas clássicos”, cansativo chavão ainda por cima inexacto quando a ele aplicado. Vai-nos valendo a Cinemateca.

O Atlético, antigo e histórico clube da minha Lisboa, eliminou o monstro azul-e-branco e alegrou o país futebolístico, com excepção claro dos derrotados. Sempre gostei do Atlético, ainda me lembro dele na 1ª divisão, e fico feliz que tenha este momento de glória.

Olhem, não me lembro de mais nada para dizer. Fica para a próxima, talvez.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

COMER E BEBER EM BORBA, E NÃO SÓ

Passei estes dias de fim de um ano e início de outro em Borba, famosa desde há anos pelos seus vinhos, fama por vezes algo exagerada já que a qualidade nem sempre estava à altura.

Estive num excelente Turismo de Habitação, altamente recomendável, a “Casa do Terreiro do Poço”. Proprietários de grande simpatia, conforto ao mais alto nível, decoração com muito gosto.

A nível gastronómico, tive oportunidade de experimentar dois bons restaurantes. Um, “O Beco”, tem, imagine-se, muito bom peixe e afins, para além de pratos típicos desta região. O outro, “A Talha”, uma antiga adega que mantém bastantes traços ainda desta actividade, nomeadamente as talhas que lhe dão o nome, aposta na cozinha regional com uma execução culinária muito boa e grande variedade de oferta.

Ali perto, em Vila Viçosa, um jantar banal e demasiado caro na Pousada (as Pousadas teimam em não conseguir no plano gastronómico o nível que já vão atingindo na parte hoteleira propriamente dita, e sobretudo teimam em não justificar os preços muito elevados que continuam a praticar nos seus restaurantes). Mas também a descoberta de um grande restaurante, a “Taverna dos Conjurados”, uma cozinha mais uma vez de base regional mas já com outras preocupações de qualidade e criatividade, aliada à extrema simpatia do proprietário, ambiente confortável e uma óptima carta propositadamente apostada nos vinhos da região servidos a copo ou em jarros de meio ou um litro, uma novidade absoluta, creio, a nível nacional (note-se que se trata de vinho engarrafado, só que o proprietário selecciona pessoalmente os vinhos e serve-os desta forma). Um excelente restaurante.

Quanto aos vinhos, saliento o muito bom trabalho que está a ser feito pela Adega Cooperativa, com bons vinhos a excelentes preços. Já a produção da Sovibor para o mesmo nível de preços me pareceu de menor qualidade. Não bebi o suficiente dos muitos produtores particulares para poder ter uma opinião fundamentada, mas à partida há um nome a fixar: Ana Vieira Pinto.

No regresso, uma nota final para o restaurante em Vendas Novas que serve uma novíssima unidade hoteleira, por trás da Escola Prática de Artilharia. Um hotel de decoração cuidada, trabalho de arquitectos e decoradores, a sala do restaurante na mesma linha, cozinha criativa e de qualidade. Vale a pena a deslocação.

Foi pois um promissor começo de ano em terras alentejanas.