sexta-feira, junho 29, 2007

SÃO CARLOS, A NOVA TEMPORADA E AS MENTIRAS

Foi anunciada a nova temporada de São Carlos, e há razões para estar satisfeito e para não estar satisfeito, como sempre.

Em primeiro lugar, esta nova gestão começa a mentir, o que não admira dada a tutela que tem. Ou melhor, não mente exactamente, mas também não diz a verdade.

Tinha sido prometido que o Anel ia continuar. Qualquer pessoa de boa fé admite que isto quereria dizer que ia continuar nos mesmos moldes, mesma encenação, mesmo ritmo de um capítulo por temporada. Afinal, não. Nesta temporada não há Anel. O Siegfried parece que será em Outubro de 2008; continua a prometer-se a mesma produção, e continua a prometer-se também que o Anel irá ser apresentado na íntegra. Mas, notem a subtileza, já ninguém diz quando será apresentado o Crepúsculo dos Deuses, e já ninguém garante em voz alta que ainda será a mesma produção de Graham Vick. É claro que eu posso estar a ser paranóico, mas quem mente uma vez mente mais, e eu daqui onde estou vou desconfiando.

A temporada também levou um corte. O número de récitas aumenta, o que me parece correcto, mas o número de óperas diminui. Apesar das contas de Pedro Boléo no Público, que chega à conclusão que o número de óperas se mantém, tal não é exacto. A temporada do ano passado tinha sete óperas encenadas, a deste ano tem cinco. Em ambas as temporadas, há um espectáculo duplo em versão de concerto. É claro que este ano há a Flauta Mágica num espectáculo “para a família”, mas isto não é temporada “core” e não deve contar para comparações.

Também não entendo como se pode cobrar o mesmo preço pelo espectáculo não encenado e pelos espectáculos encenados. Creio que é a primeira vez que acontece, mas não posso jurar. Seja como for, parece-me errado.

Saúda-se o período bastante alargado (uma semana) para venda de assinaturas quer aos antigos quer aos novos assinantes, evitando correrias e apertos.

De qualquer forma, como sempre espero que a temporada seja boa e há motivos de interesse, a começar pela nova ópera de Emanuel Nunes, uma encomenda de Pinamonti; e estou muito expectante relativamente à presença de Elizabete Matos novamente nos nossos palcos para fazer a Tosca. E vamos ver La Clemenza di Tito, que quando foi apresentada no Ciclo Mozart do John Elliot Gardner foi em versão de concerto.

Mas é pobre, muito pobre, para o único Teatro de Ópera de Portugal, uma temporada com cinco óperas encenadas. Sete também era, mas cinco, claro, é pior, muito pior. Em tempos socráticos, a Cultura não é de facto uma prioridade.

quarta-feira, junho 20, 2007

EU, O DOURO, O BENFICA, A OTA

Há algum tempo que não escrevo nada para este meu blog. Primeiro foram férias, depois a preguiça. Faço um esforço, tem de ser, é agora.

Estive uma semana no Douro, com quatro dias de visitas a quintas que faço já pelo terceiro ano consecutivo, numa organização dos meus amigos das “Coisas do Arco do Vinho”. Excelente vinho do Porto e DOC, belíssimos almoços, e sobretudo o contacto com estas pessoas extraordinárias que são os produtores e enólogos que nos recebem, sempre com profissionalismo e simpatia, com mil histórias para contar, em sítios magníficos onde nos vamos deixando ficar horas a fio, almoços a acabarem às cinco e seis da tarde. Boa vida para nós, muito trabalho para eles, boas recordações espero que para todos.

Este ano foi especialmente grata a visita à Quinta da Erva Moira, uma quinta já no Douro Superior, vinhas em anfiteatro, numa disposição muito diferente da plantação em socalcos que é maioritária no Baixo e Alto Corgo. É talvez a quinta mais bonita do Douro, e esteve quase a desaparecer com a barragem de Foz Côa.

Não sei se as gravuras de Foz Côa são legítimas ou não, se têm o interesse que alguns lhes atribuem ou não. Mas só para salvar esta quinta valeu a pena travar a construção da barragem, digo eu.

Ainda a propósito deste Douro magnífico, e lembrando as declarações recentes daquele senhor que tem a mania que ele e o clube dele representam o Norte e são uma espécie de “ponta-de-lança” numa suposta guerra entre o Norte e Lisboa, conto o seguinte. Num passeio idêntico que fiz há dois anos, estava a caminho de uma quinta, não me lembro qual, no fim de semana seguinte à conquista do campeonato pelo nosso Glorioso Benfica. No carro, ia sintonizando as rádios locais deste Douro profundo, tão Norte quanto o Norte pode ser. E não havia rádio que não desse conta de terriola em festa para comemorar esse campeonato, essa vitoria do único clube verdadeiramente nacional em Portugal.

Regressado a Lisboa, eis-me às voltas com o aeroporto e a OPA de Joe Berardo. Durante toda a sexta-feira, só se falou no SLB e na OPA. Nem a Ota nem o estudo da CIP financiado ao que parece por seres imaginários ou inexistentes fez correr tanta tinta, palavra e imagem nos meios da chamada comunicação social. Estranho país, grande clube.

Berardo, que até começou bem e gerou alguma simpatia entre os benfiquistas, deu logo a seguir um inacreditável tiro no pé com as declarações sobre Rui Costa. Não é que em parte ele não tenha razão; mas há maneiras e maneiras de dizer as coisas. E a seguir, em vez de pedir desculpa e assumir que se tinha excedido, entra naquele jogo do “eu não disse o que disse e o que disse não era bem o que queria dizer” e só se enterra ainda mais.

E sobre o aeroporto pelos vistos o estudo da CIP afinal tinha deixado pelo caminho alguns “compagnons de route” que apoiavam a inconveniente solução “Portela + 1”, pelos vistos “non grata” para o Governo (e naturalmente para os lobbies ligados a tudo quanto é fornecedor de equipamento e serviços, já que seja o aeroporto onde for, quanto maior melhor, mais dinheiro a ganhar, e “Portela +1” significa que o “+1” é sempre menos que “só 1”).

E assim vamos andando, mais a choraminguice de Couceiro e sus muchachos que não deram uma para a caixa em dois jogos e a culpa não é deles, é do árbitro, da UEFA, das conspirações obscuras vindas sabe-se lá de onde.

Estou já com saudades das quintas do Douro e seus excelentes vinhos.

segunda-feira, junho 04, 2007

APÓS A GREVE GERAL

Como sempre quando há greves, ainda por cima supostamente “gerais”, instalou-se a guerra de palavras e números entre grevistas e apoiantes, por um lado, e aqueles que combatem, no caso presente o actual Governo.

A questão dos números parece-me uma discussão inútil. Tudo depende do que se conta e como se conta, e depois um jeito aqui e acolá e qualquer das partes apresenta os números que deseja sem ter de mentir demasiado.

A questão central é: foi a Greve Geral um sucesso ou um fracasso? Ou, por outras palavras, a greve foi geral ou não foi?

Do que tive a oportunidade de observar, parece-me claro que não houve uma paralização geral do país. No entanto, não sei se tal seria possível e se estaria nos horizontes mesmo mais optimistas da CGTP. Há sectores que são tradicionalmente mais permeáveis que outros a este tipo de protesto. Houve empresas privadas, como parece ter sido o caso da Auto Europa, onde o sentido de responsabilidade dos trabalhadores para com uma empresa que está na situação que todos conhecemos se sobrepôs à motivação para fazer greve. E há empresas e serviços públicos onde as pressões sobre trabalhadores poderão ter evitado uma maior adesão, já para não falar no elevado número de trabalhadores precários que naturalmente não aderem a estes protestos.

Mas o facto é que alguns sectores foram de facto afectados, e nomeadamente aqueles cujas regalias (conquistas para uns, privilégios injustificados para outros) mais têm sido atacados pelo governo, como sejam os funcionários públicos e os professores.

Seria portanto um erro para o governo ignorar os sinais que apesar de tudo esta greve deu. Apenas com o apoio da CGTP, teve algum impacto, e ficou claro para todos que se o país não parou também dificilmente resistiria a cinco dias, por exemplo, de paralização parcial igual à que se verificou no dia 30.

É um facto que um dos méritos deste governo é o combate a alguns lobbys e interesses instalados.

O lado menos positivo desta atitude de combate é alguma falta de sentido das proporções e de razoabilidade (veja-se o caso do imposto de selo sobre as doações), e também uma certa predisposição para atacar sobretudo os interesses dos mais fracos do que dos verdadeiramente poderosos (num país como o nosso, não são de certeza os privilégios dos funcionários públicos que criam as desigualdades sociais…).

É preciso não confundir capacidade de decisão com autismo. Casos tão diferentes como o da Ota e do S. Carlos parecem indiciar da parte do governo alguma incapacidade para entender as situações e ouvir opiniões diferentes das próprias, por válidas que sejam.

Há ainda duas questões que merecem reflexão.

Há um cada vez maior número de trabalhadores, nomeadamente nas áreas dos serviços, que não se reconhecem nos sindicatos existentes, nos seus objectivos e nas suas formas de luta. Não sei se estão certos ou não, se é escolha consciente ou preguiça; mas quando trabalhadores e sindicatos se divorciam, isso nunca pode deixar de ser motivo para uma reflexão profunda por parte dos sindicatos, reflexão essa que continua por fazer.

Mas há também uma cada vez maior dificuldade na actuação dos sindicatos devido às pressões muitas vezes ilegítimas exercidas sobre trabalhadores por parte das Empresas. Num regime democrático, o Governo e órgãos de soberania deveriam actuar para garantir que tais situações não se verificam, e não vir colher os frutos dessas situações ilegais quando é preciso apresentar números favoráveis aos seus interesses na sequência das greves.

Porque num regime democrático o Governo não tem interesses, nem é seu papel entrar em braços-de-ferro com a sociedade ou com sectores da mesma; o seu dever é zelar pelos interesses, e sobretudo pelos direitos, de todos os cidadãos, dentro do escrupuloso respeito pelo quadro legal existente, incluindo, e sobretudo, a Constituição da República.