quinta-feira, novembro 30, 2006

ROBERT ALTMAN

Desde que me comecei a interessar mais a sério por Cinema, lá para os idos de 1977 ou 78, que fixei o nome de Robert Altman.

Nada conheço dos primeiros filmes, feitos nos anos 50, nem da sua obra para televisão, entre a qual se destacam dois episódios de “Hitchcock Presents” que espero ver agora que a série está a sair em DVD; e oito episódios da bem conhecida “Bonanza”.

O primeiro filme dele que vi foi “Nashville”, que me impressionou pelo seu lado de “mosaico de personagens”, com uma visão mordaz, por vezes cínica, mas nunca desprovida de carinho pelas personagens. Tive a oportunidade de o rever recentemente na Cinemateca, creio que o ano passado, e mantenho a minha opinião. De certa forma, é um filme que se inscreve no género “Americana” como “Buffallo Bill and the Indians” ou mesmo “McCabe and Mrs. Miller”se inserem no “western”; é revisionista do género, sim, mas não o renega nem o trai, ao contrário do que acontece com o chamado “anti-western” e muito do cinema americano dos anos 60.

Depois vi “A Wedding”, “A Perfect Couple”, “Three Women”, “McCabe and Mrs. Miller”,”M.A.S.H.” mais tarde “Quintet”. A ordem de visão como se vê não acompanhou muito a ordem de realização dos filmes, mas permitiu-me ter uma ideia bastante completa da obra de Altman dos anos 70. Faltam-me alguns, entre os quais “The Long Goodbye” e “Thieves Like Us” que muito quero ver. Tenho o primeiro em DVD à espera de vez.

Nos anos 80, no entanto, houve um desinteresse generalizado por Altman. A crítica começou a rotulá-lo de pretensioso, repetitivo, e a distribuição seguiu-lhe os passos, pois creio que dessa década nada dele foi por cá exibido, com excepção do atípico e ao que parece desastroso “Popeye”, que também não vi.

O grande regresso dá-se em 92 com “The Player”, novamente caindo nas boas graças de crítica e público. Não vi “Short Cuts”, mas vi o muito interessante “Kansas City”, bonita homenagem à sua cidade e ao Jazz. Vi “Prêt-à-Porter” bastante depois da sua exibição comercial, “Gosford Park” muito elogiado mas que a mim nem me parece dos seus melhores filmes, bem melhor é “The Company” que foi bastante ignorado, ainda não vi o último, “A Prairie Home Companion”.

Adeus, pois, Mr. Altman. Com altos e baixos, deixou uma obra de que se pode orgulhar e que é peça importante no cinema americano dos anos 70 até ao presente, e uma visão original e indispensável para a compreensão desse mundo peculiar que é a América.

segunda-feira, novembro 27, 2006

O FIM DA FESTA DA MÚSICA OU A GUERRA DOS EGOS

Num Portugal onde a Cultura está quase sempre limitada a algumas elites, a Festa da Música era a brilhante excepção, levando um público diversificado e não frequentador habitual das salas de concerto a ouvir música erudita por intérpretes de excepção. A Festa era popular, sem ser populista, isto é, não fazia cedências nem no reportório apresentado nem na qualidade dos intérpretes. Apenas o formato da iniciativa e o preço baixo dos bilhetes chegou para atrair o público desde a primeira hora.

Por tudo isto, penso que devia ter sido feito um esforço para manter a Festa, que foi precisamente o que não foi feito. O CCB cancelou unilateralmente a Festa de 2007, e subentende-se que também as seguintes, com um pretexto orçamental.

Penso que havia efectivamente a vontade da Administração do CCB de acabar com a Festa. E adianto uma possível razão: o CCB não queria afectar uma parte substancial do seu orçamento a uma iniciativa da qual não tem a paternidade, cujo âmbito não escolhe, e da qual não colhe louros. Preferem naturalmente gastar o dinheiro em coisas nas quais a participação e criatividade sejam mais suas. E digo naturalmente, porque me parece de facto legítima e natural esta atitude, do ponto de vista de uma equipa de gestão de um activo cultural importante que o CCB é.

Só que o CCB é também um agente cultural público, e nesse sentido quem o dirige devia pensar primeiro no público e depois na sua própria vontade e, arrisco-me a dizer, no seu ego. É claro que o CCB se agarra a formalismos, diz que tem o direito de tomar a decisão que quiser, o que é verdade, que nunca da parte do René Martin houve antes a abertura necessária para fazer a Festa por menos dinheiro, o que admito também que seja verdade.

Mas a imagem que fica é que à primeira oportunidade se matou a Festa, porque a sua continuidade realmente não interessava à gestão do CCB. E que não se fez o esforço que o público merecia para conseguir a sua continuação. E, pior ainda, fica aquele sabor a “chico-espertice” muito à portuguesa de se ir fazer agora uns “Dias da Música” com formato diferente mas objectivos idênticos, e cujo eventual sucesso já poderá ser pendurado na lapela da actual administração.

Do que não tenho dúvidas é de que a Festa faz falta. Se calhar não a mim pessoalmente e aqueles que como eu frequentam com maior ou menor regularidade o S. Carlos, a Gulbenkian, etc. Mas aos muitos cujo único contacto com este universo musical era aqui, seguramente que sim. E para um país paupérrimo em oferta cultural dirigida ao grande público, receio que seja uma perca irreparável.

terça-feira, novembro 21, 2006

ALGO DO QUE LI RECENTEMENTE

Desde cedo que adquiri o hábito de ler, mas infelizmente desde há uns anos que leio muito menos do que gostaria. O malfadado tempo, ou a falta dele, a isso me obriga.

Li há algum tempo um ensaio notável, “As lições dos Mestres”, de George Steiner. O autor é um pensador que dispensa apresentações, e não serei certamente eu que poderei acrescentar o que quer que seja de novo ao que já se escreveu e disse sobre ele. Mas este livro, ou a sua edição portuguesa, não teve ao que me parece o destaque de outros, e por isso para ele chamo aqui a atenção.

Steiner analisa aqui a questão da relação Mestre-Discípulo, e a sua extrema importância na transmissão do conhecimento ao longo dos tempos na nossa civilização. A abordagem é primordialmente na cultura europeia, mas há também partes dedicadas a outras culturas, embora sem a mesma profundidade, como aliás o autor assume.

Muito oportunamente, Steiner explora a questão da inevitabilidade das relações Mestre-Discípulo, se muito fortes, adquirirem um carácter erótico e sexual, seja homo- ou hetero-, e daqui parte para um forte ataque ao “politicamente correcto” e aos exageros cometidos em nome do combate ao “assédio sexual”, nomeadamente nos países anglo-saxónicos.

A erudição de Steiner e a clareza do seu raciocínio e discurso são fascinantes, por vezes mesmo empolgantes, e a leitura deste livro é um prazer constante para quem se interesse por estes temas.


Outro livro que terminei agora foi uma edição já com alguns anos, creio que de 1991, “The Making of the Portuguese Democracy”, de Kenneth Maxwell, um professor universitário britânico especialista em temas contemporâneos de Portugal e Espanha. O livro teve há uns anos edição portuguesa, que se esgotou rapidamente e nunca que eu saiba foi reeditado.

É um ensaio muito interessante e consideravelmente neutral e objectivo sobre os antecedentes do 25 de Abril (o regime, a guerra colonial, o livro de Spínola, a crise do petróleo, a base dos Açores e o seu papel na ajuda dos EUA a Israel na guerra de 73, o país agrícola, os monopólios financeiros e industriais), o golpe em si, o período que se seguiu, as forças civis e militares que o protagonizaram e a evolução do seu posicionamento, as alianças e os combates, o papel dos EUA, da RFA, da URSS, a descolonização e os movimentos de libertação, as relações de forças em Angola e como o MPLA ficou sozinho no terreno, como o processo africano influenciou o MFA, como e porquê surgiram as nacionalizações, o 11 de Março, o 25 de Novembro, etc.

Para quem queira perceber melhor o que se passou nesse período fundamental da nossa História, um livro fundamental, que não tem revelações bombásticas mas poderá conter algumas surpresas para quem o ler.

segunda-feira, novembro 20, 2006

BENFICA DEPOIS DE BRAGA

Continua o Benfica nos seus altos e baixos. Este sábado foi a derrota em Braga, ao que parece (não vi o jogo) com uma exibição pobre.

Que conclusões se podem para já tirar da carreira da equipa?

1 – Aspectos negativos

O Benfica perdeu todos os jogos que efectuou fora contra equipas de maior valia, e sempre sofrendo três golos (Boavista, FC Porto, Braga, Celtic). Trata-se de um padrão preocupante, já que pode indiciar falta de qualidade da equipa para se opor a adversários de nível semelhante ou até ligeiramente inferior, e pela insegurança defensiva demonstrada.

Acima de tudo, preocupa a pobreza das exibições nestas derrotas, excepção feita à segunda parte do jogo com o FC Porto. E preocupa também a ingenuidade demonstrada e os erros primários que resultaram em muitos dos golos sofridos (3ª golo do FCP, 3º do Celtic, o do Paços, todos os do Braga).

No entanto, não é algo que tenha acontecido apenas este ano. Já o ano passado a equipa tinha passado por um período de grande insegurança defensiva, sofrendo três golos em vários jogos quase seguidos. E se é verdade que a excelente vitória no campo do FC Porto ajudou a disfarçar alguma coisa, também é um facto que em Braga também perdemos e também sofremos três golos (e também houve culpas de Quim e dos centrais).


2 – Aspectos positivos

Em casa, mantemos um registo impecável no campeonato, e na Champions perdemos com um M.U. em grande forma. Ainda não houve nenhum daqueles “escândalos na Luz” que têm sido norma nos últimos anos, e esperemos que assim continuemos.

Mesmo fora de casa, é preciso reconhecer friamente que o Bessa, o Dragão e Braga são campos difíceis onde a derrota tem de ser aceite como um resultado normal (não estou agora a falar nem dos números nem das exibições). No Dragão houve algum azar. E em Braga o FCP também perdeu.

Os dois jogos que não perdemos fora foram em dois campos onde o ano passado perdemos (Paços e Leiria), logo aqui há algum sinal de melhoria.

Ou seja, em rigor, se não há motivos para grandes euforias, também é cedo para se concluir já que o campeonato está a correr mal e muito menos que já esteja perdido.

Os dois próximos jogos de Campeonato (Marítimo em casa e Sporting fora) já poderão trazer mais algumas pistas. Uma derrota em Alvalade confirmará a incapacidade da equipa em defrontar fora adversários fortes, o empate ou vitória serão o sacudir desse desagradável aspecto. Mas só na segunda volta poderemos perceber como se comporta a equipa contra esses mesmos adversários mas em casa.


3 – Nota um pouco à margem

Há anos que venho dizendo que era fundamental que o Benfica contratasse um grande guarda-redes, de nível mundial, um novo Preud’homme. O tempo vem-me infelizmente dando razão. Ora Moreira, ora Quim, ora Moretto, todos eles vão alternando coisas excelentes com erros comprometedores. Um grande guarda-redes vale 6 a 7 pontos por época, dizia Artur Jorge quando trouxe Preud’Hhomme para o Benfica. Lembro-me disso todas as semanas.

quinta-feira, novembro 16, 2006

VIEIRA E VEIGA

Escrevo esta nota antes de ser divulgada a decisão final sobre a permanência de José Veiga no Benfica.

Uma coisa tenho como certa. Qualquer que seja a decisão que tomar, LF Vieira vai ser atacado. E isto por uma razão muito simples; é que qualquer das alternativas tem óbvios prós e contras, e portanto aqueles que têm por missão atacar o Benfica já estão a preparar argumentos para esse ataque para ambos os cenários.

Vejamos as hipóteses.

Cenário 1 - Veiga sai

Embora se compreenda a decisão do ponto de vista de defesa da imagem do clube, não se compreende como é possível sair nesta altura crítica alguém que, goste-se ou não da sua personalidade, tem sido peça fundamental na estrutura do futebol e na estabilidade da equipa, e é considerado peça importante pelos intervenientes mais importantes, ou seja, pelos próprios jogadores e técnicos.

Como irá reagir a equipa de futebol à ausência de Veiga?


Cenário 2 – Veiga fica

Embora Veiga seja um elemento importante na estrutura do futebol encarnado, não se compreende que um clube que tanto pugna pela seriedade e transparência mantenha nos seus quadros uma pessoa alvo de tão graves acusações. E se Veiga é mesmo condenado? Quais as consequências para o Benfica dessa situação?


O que penso eu?

Chamando para aqui alguns provérbios populares, é um caso claro de “Todos ralham e ninguém tem razão”, ou melhor, todos ralham e todos têm razão, o que vai dar rigorosamente ao mesmo. Ou, se preferirem, de “preso por ter cão e preso por não ter”.

A decisão é difícil. Se fosse eu a decidir, acho que não aceitava a demissão, e preparava-me para o combate, deixando claro que o clube e a SAD nada têm ver com a questão em causa.

Esta decisão tem a vantagem de manter a estabilidade no grupo de trabalho do futebol, desde que Veiga seja ele próprio capaz de lidar com a pressão adicional a que vai estar sujeito. É para mim claro que mesmo que Veiga se demita as notícias sobre o caso vão continuar e vão continuar também a ligá-las ao Benfica. É um facto que não terão o mesmo peso caso Veiga fique ou saia, mas continuarão à mesma. Vamos ter de aturar o Pinto da Costa, os jornalistas, os bloggers, etc. E a defesa do grupo de trabalho e a sua blindagem à campanha que inevitavelmente vai surgir talvez seja mais fácil com Veiga dentro do mesmo.

Gostaria de deixar claro que analisei o caso estritamente do que em meu entender é o melhor equilíbrio possível entre os interesses do Benfica clube e os da sua equipa de futebol. Não sei se Veiga é inocente ou culpado, e nenhuma das hipóteses modifica esta análise.

quarta-feira, novembro 15, 2006

GRIFFITH, DIDEROT E OUTROS

Em 1929, D.W. Griffith, o primeiro, cronologicamente falando, dos maiores cineastas de sempre, faz a sua última obra-prima, “Lady of the Pavements”, que vi no recente ciclo Griffith na Cinemateca, no qual, e não resisto a dizer isto mais uma vez, não vi nenhum dos mais conceituados críticos de cinema portugueses, incluindo nesta definição todos aqueles que, mesmo de forma irregular, costumam escrever sobre o tema ou promover abaixo-assinados de “defesa da Cinemateca.. De Jorge Leitão Ramos a Augusto Seabra, passando por Eduardo Prado Coelho, João Mário Grilo, Maria João Seixas, não vi lá ninguém.

Compreende-se. Não é a Gulbenkian, com todo o seu prestígio social (aposto que este novo ciclo dos 50 filmes inesquecíveis que toda a gente já viu trinta vezes está cheio), era apenas um simples ciclo sobre um dos maiores cineastas de sempre, com exibição de várias cópias restauradas e alguns filmes recentemente recuperados e nunca vistos por cá. Sem grande interesse, portanto.

Mas o objectivo deste texto não era este. O argumento deste filme é assinado por Gerrit J. Llpyd e Sam Taylor, com base numa novela de Karl Volmöller chamada “La Paiva”. Volmöller tinha anteriormente feito uma peça produzida por Max Steiner e foi posteriormente argumentista do “Anjo Azul” de Sternberg/Marlene e terá colaborado ainda no argumento de “Shanghai Gesture”, de Sternberg-sem-Marlene.

O que me intriga é que, embora com diferenças de pormenor (aqui o fundamento da rejeição da noiva pelo protagonista é a infidelidade desta), a história é a de uma das histórias contadas por Diderot por interposto Jacques, em “Jacques o fatalista”. E não qualquer uma, mas precisamente aquela que serviria anos depois de base a “Les Dames du Bois de Boulogne” de Bresson, e é uma das que João Botelho escolhe para incluir no seu filme recente baseado na obra de Diderot.

Muito gostaria de obter a novela original de Volmöller e perceber se as semelhanças já lá estão ou se se evidenciam mais no filme. Mas que elas existem, é um facto. Será que pelo facto do filme ser americano e não francês, e da novela de Diderot ter já mais de cem anos à data do filme, ninguém, deu por isso, ou ninguém se preocupou em salientar esse facto? Ou será que esta associação já foi feita antes e nós não sabemos (pelo menos, eu não sei)?

Interessado como sou por todos os temas relacionados com a influência e o plágio e as difusas fronteiras entre ambos, este é um dos exemplos mais curiosos que se me depararam no Cinema.

segunda-feira, novembro 13, 2006

UM BOCADINHO DO PARAÍSO

Há um lugar aqui na Península que representa para mim um bocadinho possível do Paraíso. É a Hacienda Benazuza, um hotel de charme em San Lucar La Mayor, a poucos quilómetros de Sevilha (http://www.elbullihotel.com/).

Como o nome indica, o hotel situa-se numa antiga hacienda andaluza. Tem poucos quartos, e o edifício está rodeado por um bonito jardim. A gastronomia é supervisonada pelo chef Ferran Adrià, do El Bulli, considerados um dos melhores chefs e um dos melhores restaurantes do mundo.

Deixem-me que tente explicar um típico dia meu neste local.

Vou sempre no verão. Levantamo-nos e dirigimo-nos à sala do restaurante onde é servido, sentado à mesa (nada de buffets aqui), o melhor pequeno almoço de hotel que conheço, desenhado por Adriá e confeccionado pela equipa própria do restaurante, sob a direcção do chef residente Rafa Morales. Pontos altos, os sumos sempre diferentes e servidos em doses individuais, e os “ovos desconstruídos”. Mas tudo é excelente, as torradas, os doces, tudo.

Segue-se o lento arrastar até à piscina. Esta é constituída por três zonas interligadas, uma mais “normal” e ao sol, para quem gosta de nadar, e duas bastante abrigadas à sombra da vegetação, com cascatas artificias, mais para estar e relaxar. À volta, as habituais cadeiras e guarda-sóis.

O almoço é feito no restaurante à borda da piscina, que simula uma tenda árabe andaluza, e onde se servem tapas e petiscos quentes e frios. Mais uma vez de grande qualidade (eu sei que me estou a repetir, mas que hei-de fazer?), e com o toque original de recorrer sem complexos, quando o entendem apropriado, a enlatados e enfrascados de qualidade, que vêm para a mesa nas suas embalagens de origem, ou seja, sem disfarçarem o que são.

Depois do almoço, regresso à piscina, ou, eventualmente, uma sesta numa das camas com dossel espalhadas pelo jardim (sim, é isso mesmo, há camas com dossel no jardim, creio que quatro ou cinco)

À noite, o ponto alto. Jantar no “La Alqueria”, o restaurante principal do hotel, com duas estrelas Michelin. Aqui se servem maravilhosos jantares reproduzindo algumas criações de Adrià para o “El Bulli”, em duas modalidades possíveis; um “Menu de Degustação” ou “à la carte”, sendo que nesta última os pratos apresentados indicam a data original de apresentação no dito “El Bulli”. Dado que este restaurante tem listas de espera de um ou dois anos, vir aqui é uma forma mais fácil de conhecer as criações deste chef.

A carta de vinhos está à altura do desafio, e com preços que fariam corar de vergonha muitos restaurantes portugueses. E há ainda uma carta de águas.

Café e digestivos novamente na tenda árabe junto à piscina, passeio pelo jardim e recolha ao quarto. No dia seguinte, se não for dia de regresso, recomeça-se.

sexta-feira, novembro 10, 2006

A MAIS RECENTE CONVOCATÓRIA DE SCOLARI

Desde que Scolari é seleccionador nacional de futebol que tem sido regularmente atacado por algumas pessoas da imprensa, televisão e alguns dos “opinion makers” desportivos.

Criticam-lhe frequentemente o facto de trabalhar com um grupo fechado e raramente proceder a mudanças no mesmo. Depois da última convocatória, fala-se em “revolução”, “castigo” e sei lá que mais.

Acho que nenhuma das críticas é correcta. É um facto que Scolari prefere trabalhar com um grupo tão fixo quanto possível, criando na selecção um espírito de grupo próximo do de um clube, suprindo dessa forma a desvantagem que é o pouco tempo de trabalho conjunto que uma selecção tem. Mas também me parece que a necessária renovação do grupo de trabalho se tem feito a bom ritmo, e tendo sempre o cuidado de manter uma maioria de “veteranos” que ajudam a enquadrar os mais jovens, e ainda tendo sempre presente nas convocatórias o potencial de um jogador de passar a pertencer ao grupo, em detrimento de jogadores pontualmente em forma mas sem garantias de continuidade.

Comparemos a selecção da fase final do Mundial-02 e do Europeu-04. Ao longo de dois anos de trabalho, são substituídos jogadores como Vítor Baía, João Pinto, Paulo Sousa, Abel Xavier, Paulo Bento, Sérgio Conceição. E são chamados os jovens jogadores do “Porto de Mourinho”, Ricardo Carvalho, Manniche, Hélder Postiga, Paulo Ferreira, Nuno Valente, e ainda Cristiano Ronaldo, Jorge Andrade, e, sobretudo, Deco.

Deco, hoje considerado unanimemente um insubstituível, foi integrado na selecção contra a opinião expressa de intocáveis como Figo e Rui Costa, e contra boa parte da opinião jornalística.

Cristiano Ronaldo parecia destinado a “penar” nos sub-21 mais uns anitos, quando Scolari aposta nele definitivamente.

É com Scolari que Pauleta se afirma como o grande marcador de golos da selecção (embora tenha falhado nos dois momentos mais importantes, as fases finais do Euro-04 e Mundial-06).

Após o Europeu, saem da selecção Jorge Costa, Fernando Couto, Rui Jorge, Rui Costa, Figo. E há nova fornada, Fernando Meira, Hugo Viana, Boa Morte, Ricardo Costa, a espaços Quaresma, é testado Jorge Ribeiro, Hugo Almeida. É ainda Scolari quem consegue o regresso de Figo a tempo dos últimos jogos de qualificação e da fase final do Mundial.

No Mundial, censuram a convocação de jogadores que pouco tinham jogado mas eram parte do “núcleo duro”, como Costinha e Manniche. Este último viria a ser um dos melhores jogadores portugueses do campeonato. Afirma-se no centro da defesa Fernando Meira, que alguns apressadamente julgavam “proscrito” depois do Portugal-Espanha de 2004 e da posterior ausência da fase final do Europeu.

Depois do Mundial, sai novamente Figo, talvez agora de vez, e Pauleta. Meira lesiona-se com gravidade. E perfila-se já o final de carreira de Costinha, Nuno Valente.

Nos primeiros jogos, Scolari aposta nos mesmos, e em algumas experiências circunstanciais no centro da defesa, como os Ricardos Costa e Rocha, que não deixam saudades, sobretudo o primeiro (confesso que esperava muito mais de Ricardo Rocha).

Agora, face à má forma de Costinha, Manniche, Nuno Valente, ao falhanço dos defesas centrais experimentados, eis a chamada “revolução”. Por mim, dou-lhe os parabéns. Aliás, de todas as ausências, a que mais me surpreende é a de um “rookie”, Nani, que se vê assim em pouco tempo afastado da titularidade no outro clube da 2ª circular e na selecção. Que se passará? Subiu-lhe o sucesso à cabeça?

Um treinador mede-se por resultados, e os de Scolari estão à vista. Merece pelo menos que o deixem finalizar esta fase do seu trabalho, o Euro-2008, que será provavelmente a última com a selecção portuguesa. Onde, desconfio, irá deixar saudades.

quarta-feira, novembro 08, 2006

TABACO, RESTAURANTES E TELEMÓVEIS

Apesar de não ser fumador, não me consigo rever nas campanhas anti-tabagistas, sobretudo as mais radicais.

Estou obviamente de acordo com as limitações ao acto de fumar em recintos fechados desportivos, em locais de trabalho, escolas, etc., para defesa dos não-fumadores e especialmente das crianças.

Já me parece absolutamente ridículo a proibição de fumar em bares e discotecas, já implementada nalguns países. Estão a imaginar o bar do “Casablanca” sem fumo? Ou os de todos os filmes negros, e os “speakeasy” dos filmes de gangsters? Ou os bares “beatnick” do “Funny Face”, do “Bucket of Blood”, do “Bell, Book and Candle”? Acho que quem sai à noite sabe ao que vai e o fumo é parte da noite, como a música, o álcool, o sexo.

No entanto, sou desde há muito a favor da proibição de fumar em restaurantes. E não é uma contradição, porque esta opinião nada tem a ver nem com anti-tabagismo nem com defesa da saúde. É uma posição de epicurista a quem o cheiro do tabaco alheio estraga inevitavelmente o prazer de comer e beber, porque mata os aromas próprios da comida e, sobretudo, do vinho.

Se num restaurante toda a gente começasse e acabasse de comer ao mesmo tempo, aí nada teria contra o fumo. Percebo perfeitamente o prazer que um fumador tem ao fumar no final da refeição, e os fumadores de charutos defendem mesmo que esse é um prazer indissociável do prazer da própria refeição. Mas eu é que defendo o meu direito de, ao tentar sentir os aromas de um Pintas ou de um Batuta, não ser incomodado pelo cheiro do tabaco alheio. Proponho que os restaurantes de qualidade disponibilizam aos seus clientes uma sala de fumo onde possam ser servidos os cafés e digestivos e onde possa ser disfrutado o tabaco sem prejuízo de ninguém.

E já agora, nos restaurantes, proíbam também essa praga que são os telemóveis. Já que as pessoas em geral não têm educação ou bom senso que as impeça de os usar em determinados locais, acho que a proibição se impõe. Em nome, sempre, do prazer que é saborear uma boa refeição num ambiente tranquilo.

segunda-feira, novembro 06, 2006

DANIEL SCHMID

Descobri nas últimas semanas na Cinemateca a obra de Daniel Schmid.

Os seus filmes já tinham sido exibidos algumas vezes, mas até agora não me tinham despertado interesse suficiente para os ir ver. Desta vez, vi um e a seguir vi todos os que pude (creio que foram seis ao todo).

Se partirmos da divisão que Pasolini faz entre cinema-prosa e cinema-poesia (de que pessoalmente gosto muito), Schmid está claramente situado no cinema-poesia. Os seus filmes são ou não-narrativos ou de narrativa não-linear, vivendo sobretudo de imagens visuais e sonoras de grande beleza sem nunca serem vazias e formalistas.

O universo de Schmid é muito influenciado pela música, pelo teatro, pelo cabaret, e pela ópera, sendo o cuidado posto na selecção musical das suas bandas sonoras um aspecto da sua obra que me toca particularmente. O apogeu é o “Beijo de Tosca”, emocionante pseudo-documentário sobre cantores de ópera e músicos reformados vivendo na “Casa Verdi”, um lar a eles dedicado existente (creio que ainda existe) em Milão; é, também, um filme-gémeo de “Poussières d’Amour”, de Schroeter, cineasta alemão de quem era amigo.

Mas se Schroeter é um cineasta do qual Schmid está muito próximo, foi para mim interessante descobrir inesperadas proximidades com outros cineastas. Há em “La Paloma” ecos do Corman do “ciclo Poe”, em todas as sequências após as mortes (a simbólica e a real) da protagonista; o Sternberg de Marlene também por lá anda, na forma como é filmada Ingrid Caven; em “Esta Noite ou Nunca” pressentem-se raízes mergulhadas no didactismo Pasoliniano, embora a abordagem de Schmid seja mais lírica e menos militante; Sirk é uma luz (ia dizer uma sombra, mas não, luz é melhor) sempre presente, no lado melodramático que espreita em todos os filmes sem se assumir plenamente em nenhum, no tratamento da cor.

E de Schmid partem caminhos que vão dar a Oliveira, o que não é surpresa, mas também a Almodôvar (o tal lado melodramático, algumas personagens femininas, o uso da música) e a Lynch (vejam as sequências de cabaré de La Paloma e as de Blue Velvet ou Mulholand Drive, os veludos carmim, o universo onírico e as personagens sonâmbulas ou espectrais que nele deambulam).

Vale a pena ser cinéfilo, enquanto for possível a surpresa e o deslumbramento perante obras como esta.