O TEATRO-CIRCO
Li hoje no “Público” que reabriu o Teatro-Circo em Braga. Eis algo que me deixa feliz. Vivi em Braga entre 77 e 81, e muitas vezes vi filmes nesta sala, muito bonita mas então algo degradada.
Braga na altura pouca ou nenhuma oferta cultural tinha, mas apesar de tudo, ao contrário de outras cidades, tinha algumas salas de cinema. E até um Cine-Clube, do qual fui sócio, e que cumpria a função de apresentar filmes disponíveis no mercado português mas que não passavam comercialmente na cidade.
A sala do Teatro-Circo é uma sala antiga, bastante bonita, e era a única sala da cidade com um écran de grandes dimensões, o que para mim, chegado então da Lisboa do Tivoli, Império, São Jorge, Monumental, era um facto importante. Nunca gostei das mini-salas e mesmo ao Quarteto ia apenas pela obrigação decorrente de lá se exibirem filmes únicos.
As restantes salas de Braga eram três pequenas salas estúdio, uma das quais no próprio Teatro-Circo. O cine-Clube usava também uma destas mini-salas, já que não possuía sala própria. Lá vi o “Mon Oncle”, o “Chinatown”, o “Sweet Movie” do Makavejev, que revi há dias em DVD numa edição brasileira, Makavejev hoje esquecido, na altura cineasta polémico, o “Sweet Movie” está datadíssimo mas continua interessante, e os posteriores acontecimentos na Jugoslávia permitem hoje leituras na altura insuspeitadas.
Lembro-me no Cine Clube do pendor didáctico, no final queriam por força que as pessoas ficassem para debater o filme, eu escapava-me sempre sorrateiramente, nunca tive pachorra. Muitos anos depois, ouvi o Lobo Antunes numa entrevista televisiva falar sobre isto, também ele detesta, lembro-me perfeitamente de ele dizer esta coisa extraordinária, “os filmes não se debatem, vêm-se e ficam a habitar em nós como fantasmas”. Quem me dera ter eu dito isto, pensado isto.
Fantasmas, sim, disso sei eu, muitos comigo habitam. Um amigo meu uma vez disse-me “eu tenho fantasmas, mas tu és uma casa assombrada”. Foi há talvez vinte anos, nunca mais me esqueci desta frase, foi talvez a frase mais certeira que alguma vez alguém disse sobre mim. Entretanto o meu amigo morreu, é ele próprio um fantasma que hoje me habita, coisa que na altura não lhe passaria pela cabeça, nem a mim.
Bolas, que longe estou de Braga em 77 e dos seus cinemas. Regresso, como se diz, “à vaca fria”. Havia o S. Geraldo, um cinema grande mas com uma programação de série Z sem grande interesse (pel menos para mim, naquela altura, a começar a descobrir o cinema “de qualidade”). Já em 1980, abriu então o inevitável “grande” Centro Comercial, com o respectivo “multplex” da Lusomundo, e o panorama da exibição alterou-se radicalmente, pelo menos em termos quantitativos; eram, já não me lembro, 6 ou 8 salas, ainda lá estão. Todas as outras creio que fecharam entretanto.
Na altura, um filme ficava em Braga só dois ou três dias, era preciso inventar tempo para ver o que era essencial. No Teatro-Circo lembro-me que vi o Close Encounters do Spielberg, o Star Wars, não me lembro o que mais, a programação em geral não era muito interessante mas estes filmes de “grande espectáculo” em geral era lá que passavam. Mas, além do grande écran, era a única sala a ter aquilo a que na altura estávamos habituados, lembram-se, um foyer, um bar, espaços amplos junto às salas.
Estou muito curioso para ver como ficou, tenho de ir a Braga um dia destes.