ABAIXO A ANEDOTA
Detesto anedotas. A anedota parece-me a negação do humor. Para mim, o humor deve ser espontâneo, surgindo naturalmente no contexto de uma conversa ou de uma situação. A anedota é normalmente o contrário disto, um enlatado que se serve requentado e fora de prazo por pessoas sem imaginação para terem verdadeiro sentido de humor (embora haja, reconheço, excelentes contadores de anedotas).
O humor televisivo em Portugal tem sido quase sempre um humor “de anedotas”, ou mais precisamente uma pobre representação e ilustração visual de situações retiradas do anedotário nacional. De Nicolau Breyner a Raul Solnado, de Camilo de Oliveira a Badaró.
A primeira grande excepção foi Herman José, evidentemente. Começou no esboço tímido do Sr. Feliz e Sr. Contente, ainda à sombra da vedeta Nicolau Breyner, até explodir na excelência d”O Tal Canal”.
O que fazia a força do humor de Herman? Três factores, a meu ver; textos muito bons e originais; o grande talento de Herman com actor cómico, e a sua capacidade de dar vida a “bonecos” que entraram definitivamente no nosso imaginário, do “Estebes” ao “Diácono Remédios”; e sobretudo a capacidade de entender e subverter a linguagem televisiva.
Herman, como se sabe, há muito que se perdeu. E durante muito tempo o humor televisivo voltou ao estado da anedota.
Mas agora há o “Gato Fedorento”. Não sendo grande espectador de televisão, não sou também um espectador assíduo destes felinos, e vejo mais até os sketches publicitários e os do Estádio da Luz do que os programas regulares. Mas não é preciso muito mais para se perceber que estamos perante um novo fenómeno de humoristas de extremo talento.
O Gato é um trabalho mais colectivo, e joga menos com a linguagem televisiva do que fazia o Herman dos bons tempos. Mas temos novamente textos de grande qualidade e uma enorme capacidade de criação de bonecos inesquecíveis, saídos direitinhos do nosso dia a dia. Se o humor de Herman era caricatural, subversivo e excessivo, o do Gato é quase hiper-realista, e definitivamente low-profile.
Pode ser que com o Gato e outros da nova geração, como o “Perfeito Anormal” e a “Revolta dos Pastéis de Nata”, o humor televisivo em Portugal saia de vez do “estado da anedota”.