sexta-feira, dezembro 29, 2006

ABAIXO A ANEDOTA

Detesto anedotas. A anedota parece-me a negação do humor. Para mim, o humor deve ser espontâneo, surgindo naturalmente no contexto de uma conversa ou de uma situação. A anedota é normalmente o contrário disto, um enlatado que se serve requentado e fora de prazo por pessoas sem imaginação para terem verdadeiro sentido de humor (embora haja, reconheço, excelentes contadores de anedotas).

O humor televisivo em Portugal tem sido quase sempre um humor “de anedotas”, ou mais precisamente uma pobre representação e ilustração visual de situações retiradas do anedotário nacional. De Nicolau Breyner a Raul Solnado, de Camilo de Oliveira a Badaró.

A primeira grande excepção foi Herman José, evidentemente. Começou no esboço tímido do Sr. Feliz e Sr. Contente, ainda à sombra da vedeta Nicolau Breyner, até explodir na excelência d”O Tal Canal”.

O que fazia a força do humor de Herman? Três factores, a meu ver; textos muito bons e originais; o grande talento de Herman com actor cómico, e a sua capacidade de dar vida a “bonecos” que entraram definitivamente no nosso imaginário, do “Estebes” ao “Diácono Remédios”; e sobretudo a capacidade de entender e subverter a linguagem televisiva.

Herman, como se sabe, há muito que se perdeu. E durante muito tempo o humor televisivo voltou ao estado da anedota.

Mas agora há o “Gato Fedorento”. Não sendo grande espectador de televisão, não sou também um espectador assíduo destes felinos, e vejo mais até os sketches publicitários e os do Estádio da Luz do que os programas regulares. Mas não é preciso muito mais para se perceber que estamos perante um novo fenómeno de humoristas de extremo talento.

O Gato é um trabalho mais colectivo, e joga menos com a linguagem televisiva do que fazia o Herman dos bons tempos. Mas temos novamente textos de grande qualidade e uma enorme capacidade de criação de bonecos inesquecíveis, saídos direitinhos do nosso dia a dia. Se o humor de Herman era caricatural, subversivo e excessivo, o do Gato é quase hiper-realista, e definitivamente low-profile.

Pode ser que com o Gato e outros da nova geração, como o “Perfeito Anormal” e a “Revolta dos Pastéis de Nata”, o humor televisivo em Portugal saia de vez do “estado da anedota”.

terça-feira, dezembro 26, 2006

VÃO PROIBIR O NATAL?

Segundo tenho lido, com alguma estupefacção, agora é “politicamente incorrecto” celebrar o Natal, e nos EUA e Reino Unido há já mesmo algumas restrições ao uso público de símbolos natalícios, ao que parece para não ofender os crentes de outras religiões aí residentes.

Eu sou ateu, e logo a mim o Natal nada me diz do ponto de vista religioso. Mas obviamente acho tudo isto de uma incrível estupidez.

Para cristãos e não cristãos, o Natal em Portugal e na generalidade dos países do que habitualmente designamos por Ocidente tem um lugar insubstituível na nossa cultura, irremediavelmente impregnada de tradições religiosas cristãs. Não creio conhecer ninguém que se sinta ofendido pelo uso de símbolos religiosos associados ao Natal, e usar esse argumento para o proibir ou condicionar é algo de absolutamente extraordinário.

A religião fez desde sempre parte da vida humana, e os símbolos e ritos a ela associados são parte integrante da cultura dos povos, sendo que naturalmente há países onde se guardam as tradições cristãs, como noutros se guardam as muçulmanas, hindus, budistas, etc.. Renegar isto é renegar uma parte importante e insubstituível da cultura dos povos e nações, e nada tem a ver com tolerância nem com respeito pelos outros e pela diferença.

Creio que foi Barthes que disse “o fascismo não consiste tanto em proibir de dizer como em obrigar a dizer”. E desta forma, condicionando a nossa linguagem e com ela o nosso pensamento, o “politicamente correcto” vai construindo passo a passo o novo totalitarismo.

terça-feira, dezembro 19, 2006

NOTAS SOLTAS

Deixo hoje aqui algumas curtas notas soltas sobre alguns temas do nosso presente.

NOTA 1 – Parabéns ao Governo pelo combate que vem fazendo ao despesismo de vários dos caciques instalados no que eufemisticamente se chama “poder local”, e sobretudo a esse escândalo nacional que dá pelo nome de Alberto João Jardim. Pela primeira vez alguém tem coragem de “bater onde dói”: os fundos que recebe e que lhe permitem fazer o que faz (e muito do que faz até poderá ser bem feito, mas com dinheiro e sem responsabilização qualquer um faz obra).

Curiosa para um militante do PSD é a reacção descontrolada e com apelos insurreccionais de AJJ. Se fosse um dirigente de Esquerda a invectivar assim um governo do PSD, apelando descaradamente à rebelião, o que não se diria? E será que Marques Mendes e Cavaco Silva não têm vergonha na cara, ao aceitarem agora os elogios e a colagem de quem tão despudoradamente os combateu?


NOTA 2 – Pode ser que seja desta. A nomeação de Maria José Morgado dá-nos esperança de que o “Apito Dourado” vá ser realmente investigado até às últimas consequências. Consequências essas que muito surpreenderiam se se limitassem ao futebol.

Poderá ser esta a nossa “Operação Mãos Limpas”?


NOTA 3 – Os notários estão furiosos com a perca de poder resultante das medidas desburocratizantes do processo de aquisição de casa. Mais um exemplo de um grupo profissional que aceita mal a quebra de privilégios, mesmo que isso resulte bem para o público em geral. Talvez pudessem usar as energias a combater a corrupção que grassa entre os seus funcionários. Eu, das duas vezes que tive de recorrer a notários para processos ligados a habitação, vi-me obrigado a “gratificar” chorudamente funcionários dos mesmos para que o processo fosse tratado dentro de tempo útil. Será o fim destas situações que tão amargamente agora lamentam?


NOTA 4 – O Portsmouth afinal não quer Manuel Fernandes. Agora acha-o caro. Provavelmente têm razão no argumento usado, mas a atitude que tiveram no processo foi vergonhosa. Embora formalmente MF estivesse à experiência e nada os obrigue a comprá-lo, numa negociação há uma coisa chamada “boa fé”, e todas as declarações dos seus dirigentes iam no sentido de fazer acreditar que o queriam o jogador desde que a pubalgia fosse curada. Agora afinal já não é assim, e até usam expedientes dignos de um clube dos regionais para impedir o accionar automático da opção de compra.

Se fosse em Portugal, o que não se diria destes dirigentes?

quarta-feira, dezembro 13, 2006

O ÚLTIMO "007"

Alguém disse, não sei se foi Hitchcock, “um filme é tanto melhor quanto mais interessante for o vilão”. E é por aí que o último “007” começa a falhar.

Que saudades dos vilões da guerras fria, ou do S.P.E.C.T.E.R. que tinha por objectivo dominar o mundo, ou mesmo dos mais recentes terroristas mercenários ao serviço de quem pague. Agora, ter como vilão um simples banqueiro de terroristas, jogador de póquer e de Bolsa, cujo acto mais ameaçador é conseguir um trio e um par à mesa de jogo, é fraco como motor do filme.

A série James Bond está cercada. Nos últimos anos, a proliferação de filmes de acção, em contextos mais ou menos semelhantes, desde os “Die Hard” aos “Terminator” e outros filmes de Shwarzenegger, os “Missão Impossível”, passando pelo aliás interessante díptico “Bourne Identity”/”Bourne Supremacy” até à excelente série televisiva “24”, muitos são os produtos concorrentes.

Para manter o interesse, os “007” ou oferecem alguma inovação ao nível de argumento, ou então teria de apostar em realizadores de grande qualidade. Nada disso se passa neste chatérrimo filme.

Percebe-se a intenção da aposta num actor que devolve a Bond características de “bad boy” mais próxima das novelas de Fleming, que estavam aliás presentes no primeiro “Dr. No” mas entretanto desapareceram. Bond não é um galã romântico e aventureiro, mas alguém com um trabalho a fazer e que não hesita perante nenhuma acção por mais moralmente condenável que possa ser para atingir os seus objectivos, em nada se distinguindo em métodos daqueles que combate. Daniel Craig, aliás, é excelente e é o único ponto forte do filme.

Só que isso não chega perante um argumento fraco, uma estrutura inexistente, sequências longuíssimas, personagens desinteressantes, falta de ritmo.

Se a série se quer salvar, terá urgentemente de recorrer a alguém como John Woo, John McTiernan ou James Cameron, especialistas do género com talento muito acima da média capazes de insuflarem vida a uma série que se arrisca a morrer ingloriamente de anemia.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

A MORTE DE PINOCHET

Finalmente, Pinochet morreu. Alegro-me. Embora tenha pena de não o ver responder em tribunal pelos crimes do seu regime, alegro-me na mesma.

Em 1973, tinha onze anos, lembro-me de ter ficado impressionado com o golpe de estado e a sua brutalidade, tal como descrito na revista moçambicana “Tempo”, que eu lia com regularidade, não entendendo muita coisa ainda, claro está. Mas ficou-me desde cedo o gosto pela política internacional, e creio que muito se deve a essa revista, que publicava artigos que provavelmente não passariam na censura “metropolitana”.

No caso deste 11 de Setembro, a posição anti-golpe do articulista não deixava dúvidas, e a descrição da repressão brutal que se seguiu ao golpe, o estádio de futebol, as execuções, tudo isso deixou em mim viva marca, ainda por cima sendo como era acompanhada de bastantes fotografias do assalto ao palácio presidencial, das multidões aprisionadas no estádio. Não sei se era um artigo original, ou uma tradução ou adaptação de artigo estrangeiro, mas inclino-me mais para esta hipótese, já que seguramente a “Tempo” não teria correspondente residente no Chile.

Houve outras ditaduras mais brutais na América Latina. Ali perto, na Argentina, o número de mortos e desaparecidos durante a chamada “guerra suja” às organizações de esquerda foi de cerca de trinta mil, dez vezes mais do que no Chile. Mas o golpe chileno derrubou um governo de esquerda democraticamente eleito, o primeiro da América Latina, derrube esse feito com o apoio do EUA. O seu valor negativo simbólico é por isso maior que o das outras ditaduras que na época proliferavam naquele continente.

A mim impressionou-me sobretudo, no muito que como todos nós entretanto li sobre o que se passava no Chile de Pinochet, o uso sistemático da tortura como arma política, muitas vezes nem sequer com o objectivo de conseguir quaisquer informações de algum relevo, ou sequer de proteger o regime, mas apenas como forma de castigar os opositores - e mesmo frequentemente por puro prazer sádico. Julgo que nenhuma outra ditadura levou tão longe esta banalização da tortura, com eventual excepção do já referido regime argentino.

E impressionou-me também o facto de a maioria das vítimas serem pessoas na casa dos 20 ou 30 anos de idade, e os carrascos terem também muitos deles a mesma idade, com a única diferença de serem soldados. Não eram políticos, nem polícias, nem torcionários profissionais. Eram soldados. Uma guerra que um exército regular profissional fez à juventude do seu país, por puro ódio. É isso. O que me impressionou foi o ódio por detrás de tudo aquilo, um ódio maior que qualquer simples divergência ou convicção política.

Com a idade avançada que Pinochet já tinha, as esperanças de o ver julgado diminuíam dia a dia. Assim, pois, alegremo-nos com a sua morte, esperando que a mesma tenha sido acompanhada de uma grande dose de sofrimento. Se Pinochet era tão crente como dizia, talvez o seu Deus agora lhe dê o castigo que merece.

terça-feira, dezembro 05, 2006

A GRANDE BATALHA CONTRA O TEMPO

Começo a aperceber-me, aos 44 anos, de que o tempo me escasseia de forma dramática para fazer, já não digo tudo, mas pelo menos uma parte significativa daquilo que gostava de fazer.

Só para ler todos os livros que já tenho e ainda não li, mais os filmes que também tenho (em DVD) e ainda não vi, precisava de anos de dedicação exclusiva. Os discos são um caso menos dramático, consigo sempre ouvir pelo menos uma vez os discos que compro, mas ainda assim tenho algumas centenas de LPs que herdei e ainda não ouvi.

E isto é só no que diz respeito ao meu património actual, se somar aquilo que ainda vou adquirir, mais o que consumo externamente em sessões de cinema, concertos, espectáculos, exposições, o caso agrava-se. E nem falo das viagens, dos restaurantes, dos vinhos, do Benfica.

A falta de tempo é o meu grande drama, que partilho com todos aqueles que têm interesses na vida e a possibilidade de lhes dar atenção.

Não é preciso muito esforço para perceber que é um problema sem solução. Às vezes, quedo-me em frente das minhas estantes angustiado. Que fazer? Já pensei começar a ler todos os livros que tenho, ler vinte ou trinta páginas de cada um e avançar para o seguinte, não acabar nenhum mas pelo menos ficar com uma ideia de todos. Mas é um disparate. Não há remédio, é ir lendo, quatro ou cinco de cada vez, e ter paciência. E esperar que até ao fim da vida mantenha a capacidade visual e intelectual de ler. A minha grande angústia materializa-se no genial episódio do “Twilight Zone”, “Time Enough At Last”. Nele, Burgess Meredith, leitor compulsivo sem tempo, encontra-se um dia sozinho no mundo após uma catástrofe nuclear, com milhares de livros à sua disposição e todo o tempo de que precisa – e parte os óculos.

Com os discos, CDs e LPs, tenho dois métodos; ouço pelo menos uma vez tudo o que vou comprando, e estou a ouvir tudo o que já tenho por rigorosa ordem alfabética de artista, dentro de cada género, esperando um dia chegar ao fim e não esquecer nenhum.

Os filmes, minha grande paixão. A situação aqui tornou-se crítica. Vou cada vez menos ao circuito comercial. Vou conseguindo acompanhar o que passa na Cinemateca. E aposto cada vez mais no DVD, porque me permite ver os filmes quando quero e tenho tempo, libertando-me da tirania da distribuição e exibição. Investi bastante num projector de qualidade, para mitigar a diferença para a visão em sala. Mas também aqui cheguei a um ponto de ruptura; tenho cerca de dois mil filmes. Mesmo que conseguisse ver 150 por ano, tenho já filmes para quase 15 anos. Valerá a pena continuar a comprar? Provavelmente não. E conseguirei deixar de comprar? Provavelmente também não. Cruel dilema.

Ao teatro, com grande pena, já quase não vou. A espectáculos musicais cada vez menos, sendo a excepção a temporada de S. Carlos, de que sou assinante. E ainda há o Benfica, que vou acompanhando, mas menos do que gostaria.

A Grande Batalha contra o Tempo. É impossível vencê-la mas imperdoável não tentar.