Nas eleições presidenciais francesas volta a ser central a questão da segurança. E daí ressalta a inabilidade e desconforto da Esquerda em lidar com o tema.
O problema principal é este: como pode a Esquerda incorporar no seu discurso e na sua prática a questão da segurança sem cair no “securitismo” cego tão caro à Direita, sem trair os seus valores de defesa da liberdade e da tolerância, respeitando os direitos fundamentais dos cidadãos num Estado de Direito?
Em primeiro lugar, penso que se deve quebrar a velha dicotomia entre Segurança-defendida-pela-direita e Liberdade-defendida-pela-esquerda. Temos de reconhecer que a segurança é também parte da liberdade, e não sua inimiga, e dentro desta perspectiva diferenciarmo-nos da Direita precisamente propondo políticas que naturalmente garantam uma sem comprometer a outra. E ainda realçar que “segurança” não é só relativa ao crime, mas a vários outros parâmetros da vida de todos nós.
Creio que foi Roosevelt quem definiu um dos parâmetros para a definição de cidadãos livres como sendo aqueles que estão “livres do medo”. E se hoje estamos relativamente livres já do medo de falar, de reunir, de exprimir as nossas ideias, há outros medos que ameaçam a nossa condição de cidadão livres.
O principal creio ser o “medo do desemprego”, ou, para ser mais exacto, o medo de perder os meios de subsistência mínimos para uma vida com dignidade (isto, obviamente, para aqueles que deles já dispõem, felizmente a maioria de nós, portugueses e europeus, infelizmente ainda não todos nós, habitantes do planeta). Perante a possibilidade real de uma pessoa, ou uma família, ficar de um momento para outro sem a possibilidade de assegurar uma existência digna, parece-me que a possibilidade de ser assaltado no metro é relativamente menos preocupante. Mas desta segurança a Direita não fala, e quando fala é para a atacar, em nome da competitividade, do mercado e de todos os pequenos deuses caseiros que nos querem impor.
Outro medo será o “medo da doença”. Em Portugal, estar doente para a maioria das pessoas significa entrar num ciclo infernal de filas de espera, tratamentos inadequados, médicos apressados, hospitais mal equipados, medicamentos caros. Aqui, o papel da sociedade civilizada é a de criar as condições para que todos sem excepção possam ter acesso aos cuidados médicos possíveis, independentemente das suas possibilidades materiais. Mas disto a Direita também não fala, e quando fala é para lamentar a despesa pública com a saúde e louvar os méritos da medicina privada. Méritos que eu não discuto, mas que nunca poderão estar ao alcance de todos em países pobres como o nosso.
Para não me dispersar nem alongar mais, falemos então do “medo do crime”, aquele que geralmente se associa com o tema “segurança”. É um medo legítimo, e a Esquerda deve reconhecê-lo como tal, até porque afecta sobretudo as camadas sociais com menos recursos. Ninguém pode ser livre se vive constantemente com medo de ser assaltado nos transportes públicos, ou no percurso até casa, ou mesmo na sua própria casa. Ou se tem à porta problemas relacionados com tráfico de droga. Se teme pela segurança dos seus filhos na escola. Tudo isto são problemas reais e não se pode deixar à Direita o monopólio da sua denúncia e do combate aos mesmos. Mas também não se pode cair na tentação de pura e simplesmente copiar as habituais soluções da direita sem qualquer sentido crítico (tipicamente mais polícia, mais vigilância, penas mais pesadas, mão dura).
Que fazer, então? Em primeiro lugar, pedagogia. Começar por delimitar o problema, tentar perceber a sua verdadeira dimensão, e desmontar o discurso da paranóia securitária com factos concretos. Explicar às pessoas o que é factual e o que é fabricado com intuitos de propaganda ou sensacionalismo.
Reafirmar a validade das medidas de reinserção social e de criação de condições que tentem eliminar ou minimizar as condições que levam ao crime. Demonstrar a validade de políticas de integração social, nomeadamente de adolescentes e jovens, criando condições para a sua integração em grupos com objectivos socialmente relevantes, seja o desporto escolar, grupos ligados a interesses culturais e recreativos ou outros, que os afastem de gangs e grupos criminosos.
Denunciar sempre a hipocrisia de uma Direita que lamenta e teme o crime mas que defende práticas sociais e económicas que numa sociedade com dificuldades materiais como a nossa só podem conduzir a maior exclusão social e consequentemente a maior crime.
E, finalmente, depois de cumprida a missão pedagógica, sempre explicando que essas são soluções de mal necessário, então adoptar sem vacilar as necessárias medidas de prevenção, combate e castigo. Aumento do policiamento, câmaras de vigilância, captura e castigo de criminosos, sim. Mas também criar na polícia uma cultura de responsabilidade e respeito pelos cidadãos. Reformar as prisões para que não continuem a ser escolas de crime, de onde se sai mais criminoso do que se entra. Estudar e implementar formas de castigo alternativas à prisão, desde as famigeradas pulseiras à prestação de serviço cívico para criminosos que não representem perigo directo.
Resumindo, é preciso demonstrar aos cidadãos que a Esquerda tem perante o “crime” uma atitude não só tão firme como a Direita, mas muito mais abrangente, responsável e eficaz do que esta.