UM HECTAR DE MILHO
Não tenho grande simpatia pelos movimentos ecologistas, que me parecem quase todos ou nas mãos de burocratas fundamentalistas zeladores de cartilhas ou nas mãos de miúdos pseudo-radicais, muito pouco informados, sem grande consciência política e absolutamente incapazes de ver para lá do âmbito estrito das causas imediatas que abraçam.
Note-se no entanto que não retiro importância e pertinência a muitas das causas defendidas, sobretudo aquelas que lidam directamente com a qualidade de vida no planeta e sustentabilidade futura da mesma. Mas os movimentos preocupados com a defesa intransigente da mais ínfima espécie de vida do planeta, capazes de tudo porem em causa para salvar um habitat natural de uma ave ou planta, não os apoio nem os compreendo.
Quero também dizer que não posso apoiar acções como as do chamado movimento “Verde Eufémia”, a célebre destruição de um hectar de milho transgénico. Perante esta acção, só me veio à memória a frase de Pasolini sobre os estudantes de Maio de 68; lembram-se, dizia, com alguma razão, “se os filhos da burguesia se podem dar ao luxo de brincar às revoluções, isso está vedado a um filho de camponês que se tenha tornado polícia”.
Para qualquer pessoa política e socialmente consciente, penso que uma das prioridades do mundo actual é erradicar a fome. Esse é o combate mais importante. O que significa, no actual paradigma social e económico, conseguir três coisas: produzir alimentos em quantidade e com o mais baixo custo possível; garantir que esses alimentos não põem em causa a saúde dos seus consumidores; e criar circuitos de distribuição que garantam que os ditos chegam aos consumidores finais a preços também tão baixos quanto possível, ou seja, que o baixo custo na produção se reflecte em vantagens para os mais carenciados e não em lucro para intermediários, distribuidores e retalhistas.
Parece-me que os alimentos transgénicos, desde que cumpram os requisitos cientificamente provados e testados de saúde pública, podem ser parte da solução para este problema, já que permitem de facto aumentar bastante a produção a custo mais baixo que a agricultura tradicional. Combater esta forma de produção de forma irracional em nome de um “ideal de pureza” parece-me uma acção politicamente reaccionária, para chamar as coisas pelos nomes.
Há também lugar no mundo para a agricultura tradicional. Hoje, o Mercado, essa entidade que realmente nos governa, já descobriu lugar para os produtos produzidos dessa forma. Há um “nicho”, na linguagem tecnocrática. Mas não nos iludamos; é mesmo um nicho. Os alimentos originários da “agricultura biológica” e “orgânica” são ainda produzidos em pequena quantidade e a custo mais elevado para o consumidor final (estive há dias num supermercado especializado neste tipo de alimentos e pude comprovar isso mesmo; apesar da pobreza das instalações e da localização periférica do dito, os produtos eram mais caros que os seus congéneres “de massas” que se encontram nos circuitos tradicionais). É um luxo ainda para alguns com mais dinheiro do que a média.
Ou seja, combater formas de produção de baixo custo (desde que, repito, sem problemas para a saúde) e defender como alternativa formas tradicionais sem capacidade para fazer face aos desafios de quantidade e custo que as necessidades de alimentação de milhões de pessoas no mundo exigem, é estar do lado de um modelo social de defesa do “bem-estar” de ocidentais bem colocados na vida contra o objectivo de alimentar milhões que morrem à fome.
É preciso é orientar o combate para garantir que estes alimentos chegam de facto a quem deles precisa, a preço justo, e não são apenas fonte de lucro fácil para alguns. Esse, sim, é o combate importante. O resto é folclore.