Mundo
Hoje sinto-me virado para “temas internacionais”, e aqui deixo algumas notas sobre três que têm sido notícia recente.
1 – Venezuela
Desde que Chávez foi mandado calar, sem sucesso, pelo monarca de Espanha, não se passa um único dia sem que um jornal ou TV não emitam uma notícia sobre o presidente venezuelano, ou sobre o seu aliado boliviano, sempre para os denegrir, em nome dos “ideais democráticos” que aqueles líderes estariam a trair.
Pelos vistos, o “lobby” espanhol na comunicação social portuguesa continua poderoso, como já se tinha provado há anos com a nomeação da “comissária política” Rosa Veloso como correspondente em Espanha, cujas crónicas sobre Euskadi e a ETA parecem redigidas na Moncloa.
Eu gostava de ver esta militância pró-democracia dos nossos jornais e televisões a encarniçarem-se da mesma forma contra por exemplo os regimes do Golfo, ou a Rússia, ou a China; mas não, que convém não irritar os poderosos. Mais vale bater em quem não tem muitas hipóteses de defesa, que é mais seguro e agrada mais aos “patrões”.
Na Venezuela, a oposição boicota eleições quando percebe que as vai perder, num “golpe de teatro” destinado a poder depois contestar a democraticidade do processo político.
As classes privilegiadas, pequena minoria que controla o país, tem dinheiro para possuir canais de televisão – algo completamente impossível para a larguíssima maioria da população, a não ser através da televisão pública. Defendem com unhas e dentes os seus privilégios, não quaisquer ideais democráticos.
Mas a opinião pública e jornalística europeia acha que isso é que é democracia e combate de ideias – mesmo quando as armas ao dispor de cada um dos lados “combatentes” são gritantemente desiguais. E “ó da guarda” quando uma licença de uma dessas televisões não é renovada, “ó da guarda” quando leis constitucionais são aprovadas por uma assembleia democraticamente eleita onde a oposição só não está porque não quis estar.
2 – Bolívia
Na Bolívia, as regiões ricas do país recusam-se a abdicar de parte dos rendimentos provenientes das suas riquezas para benefício das regiões mais pobres, nomeadamente as habitadas por populações de origem índia. Por isso, entraram em greve geral e até ameaçam com a secessão.
Para os jornais e televisões portuguesas, parece que isso é “defesa da democracia”, contra o ditador Morales.
Aqui há uns anos, Umberto Bossi tentou o mesmo na Lombardia e Norte de Itália. Mas aí parece que era um “ataque à democracia”, que o “secessionismo é inaceitável”, que as forças eram fascizantes.
Percebem a diferença?
3 – Kosovo
Outro tema da moda é a independência do Kosovo. Também aqui os nossos jornalistas parecem ter abraçado fervorosamente a causa da “liberdade” do Kosovo – que, na prática, representará a primeira amputação de um estado europeu imposta externamente desde a 2ª Guerra, e a entrega de um importante território de mão beijada à Albânia e às máfias que a governam.
Porque é que não se tem a mesma atitude relativamente à Tchétchénia, ao Curdistão, a Esukadi? Porque é que uns são “terroristas” e outros “combatentes da liberdade”?
4 – À laia de conclusão
Eu não tenho nada contra os “dois pesos e duas medidas”, que todos usamos. Mas era mais honesto que ao nível de orgãos cuja missão é em primeiro lugar informar e esclarecer cada um assumisse claramente que posições defende, que convicções são as suas, em vez de continuarmos a ter operações de propaganda disfarçadas de “isenção” e “objectividade”.