quinta-feira, novembro 29, 2007

Mundo

Hoje sinto-me virado para “temas internacionais”, e aqui deixo algumas notas sobre três que têm sido notícia recente.


1 – Venezuela


Desde que Chávez foi mandado calar, sem sucesso, pelo monarca de Espanha, não se passa um único dia sem que um jornal ou TV não emitam uma notícia sobre o presidente venezuelano, ou sobre o seu aliado boliviano, sempre para os denegrir, em nome dos “ideais democráticos” que aqueles líderes estariam a trair.

Pelos vistos, o “lobby” espanhol na comunicação social portuguesa continua poderoso, como já se tinha provado há anos com a nomeação da “comissária política” Rosa Veloso como correspondente em Espanha, cujas crónicas sobre Euskadi e a ETA parecem redigidas na Moncloa.

Eu gostava de ver esta militância pró-democracia dos nossos jornais e televisões a encarniçarem-se da mesma forma contra por exemplo os regimes do Golfo, ou a Rússia, ou a China; mas não, que convém não irritar os poderosos. Mais vale bater em quem não tem muitas hipóteses de defesa, que é mais seguro e agrada mais aos “patrões”.

Na Venezuela, a oposição boicota eleições quando percebe que as vai perder, num “golpe de teatro” destinado a poder depois contestar a democraticidade do processo político.

As classes privilegiadas, pequena minoria que controla o país, tem dinheiro para possuir canais de televisão – algo completamente impossível para a larguíssima maioria da população, a não ser através da televisão pública. Defendem com unhas e dentes os seus privilégios, não quaisquer ideais democráticos.

Mas a opinião pública e jornalística europeia acha que isso é que é democracia e combate de ideias – mesmo quando as armas ao dispor de cada um dos lados “combatentes” são gritantemente desiguais. E “ó da guarda” quando uma licença de uma dessas televisões não é renovada, “ó da guarda” quando leis constitucionais são aprovadas por uma assembleia democraticamente eleita onde a oposição só não está porque não quis estar.


2 – Bolívia


Na Bolívia, as regiões ricas do país recusam-se a abdicar de parte dos rendimentos provenientes das suas riquezas para benefício das regiões mais pobres, nomeadamente as habitadas por populações de origem índia. Por isso, entraram em greve geral e até ameaçam com a secessão.

Para os jornais e televisões portuguesas, parece que isso é “defesa da democracia”, contra o ditador Morales.

Aqui há uns anos, Umberto Bossi tentou o mesmo na Lombardia e Norte de Itália. Mas aí parece que era um “ataque à democracia”, que o “secessionismo é inaceitável”, que as forças eram fascizantes.

Percebem a diferença?


3 – Kosovo


Outro tema da moda é a independência do Kosovo. Também aqui os nossos jornalistas parecem ter abraçado fervorosamente a causa da “liberdade” do Kosovo – que, na prática, representará a primeira amputação de um estado europeu imposta externamente desde a 2ª Guerra, e a entrega de um importante território de mão beijada à Albânia e às máfias que a governam.

Porque é que não se tem a mesma atitude relativamente à Tchétchénia, ao Curdistão, a Esukadi? Porque é que uns são “terroristas” e outros “combatentes da liberdade”?


4 – À laia de conclusão

Eu não tenho nada contra os “dois pesos e duas medidas”, que todos usamos. Mas era mais honesto que ao nível de orgãos cuja missão é em primeiro lugar informar e esclarecer cada um assumisse claramente que posições defende, que convicções são as suas, em vez de continuarmos a ter operações de propaganda disfarçadas de “isenção” e “objectividade”.

quinta-feira, novembro 22, 2007

A qualificação

A selecção nacional de futebol qualificou-se mais uma vez para a fase final do campeonato da Europa, dando continuidade a uma série de qualificações que desde 1996 só falhou no Mundial 98.

Ao que parece, no entanto, essa qualificação não chegou para alguns iluminados do comentarismo e jornalismo desportivo nacional. Queriam que além do mais a mesma fosse conseguida “com brilhantismo”, como segundo eles seria nossa “obrigação”.

A mim parece-me que passámos das “vitórias morais” de há uns anos para as “derrotas morais”, que me parecem muito mais espantosas. Atingimos o objectivo, mas sem brilho, jogámos mal, não ganhámos a nenhum adversário directo, etc, etc.

Para quem como eu cresceu nos anos 70, onde tivemos zero qualificações para fases finais, e 80, onde só nos qualificámos em 84 (Europeu) e 86 (Mundial), esta fase de sucessos dos últimos 12 anos só pode ser saudada e elogiada. Gerações de bons jogadores como Eusébio, Coluna, Águas, Jordão, Néné, Oliveira, Alves, Chalana, Futre, Humberto Coelho, Bento, Carlos Manuel, Diamantino, Gomes, não conseguiram melhor.

No que a esta qualificação diz respeito, vários argumentos se esgrimiram para diminuir o sucesso desta campanha.

1 – O grupo era fácil?

Não sei porquê. É um facto que não tínhamos no grupo “tubarões” como a França, Itália, Alemanha, Espanha. Mas não me parece que a Polónia e a Sérvia sejam propriamente “equipas de coxos”. A Bélgica esteve no último Mundial, e a Finlândia tem aquele futebol directo com o qual nos damos habitualmente mal, e mostrou uma qualidade surpreendente. Mesmo a Arménia mostrou mais futebol do que o que se esperava, sobretudo nos jogos em casa.

Parece ter-se instalado em parte da opinião pública e jornalística a ideia de que Portugal é assim uma espécie de “Brasil da Europa”, e que tem obrigação de ganhar todos os jogos. Não é verdade. Temos uma muito boa equipa, um ou outro jogador acima da média (Ronaldo, Ricardo Carvalho, Petit, Deco), mas não temos uma super-equipa, e para ganhar a outras boas selecções temos de jogar muito bem e esfoçar-mo-nos muito. Temos equipa para ganhar a qualquer equipa do Mundo, sim, mas isso não é um dado adquirido nem uma obrigação.

2 – Os resultados foram maus?

Ao que parece, não ganhámos a nenhum dos adversários directos. É mentira. A Bélgica era à partida um adversário directo, e nós ganhámos os dois jogos. Mais ninguém o fez, e se a Bélgica acabou mais atrasada do que era esperado em boa parte se deve a essas duas derrotas com Portugal.

E podemos também dizer que só tivemos uma derrota com um dos adversários directos, e nenhuma com os outros. E o jogo na Polónia veio numa altura complicada de início de época, com a maioria dos nossos jogadores completamente fora de forma depois do desgaste da muito boa campanha no Mundial. E logo a seguir, jogo na Finlândia, onde empatámos, resultado que tem de ser considerado bom.

Em casa de facto empatámos com a Polónia, Sérvia e Finlândia. Mas o empate com a Sérvia deu-se devido a um golo sérvio em claro fora-de-jogo não assinalado, e o empate com a Finlândia chegava para garantir a qualificação. Criticam o quê?


3 – As exibições foram más?


Foram, na Polónia e em casa com a Arménia. Mas do jogo na Polónia e das causas da má exibição e derrota já falei no ponto acima. E no jogo de há dias era importante ganhar e poupar forças para o jogo decisivo de ontem.

Jogámos muito bem nos dois jogos com a Bélgica, e no jogo de ontem com a Finlândia, digam o que disserem. Também ao que me lembro foram boas as exibições com a Sérvia, lá e cá. Na Finlândia e na Arménia a equipa foi sobretudo realista – dizia Trappatoni que há jogos que não podes ganhar mas também não deves perder, e foi isso que aconteceu.


Deixemo-nos de tretas. As equipas medem-se por objectivos, e este foi atingido.

É preciso agora é definir qual o objectivo realista para o Europeu. Para mim, é chegar à meia-final. A presença na final seria muito bom e o título maravilhoso, mas de facto não se pode dizer que possa ser esse o objectivo mínimo, nem a nossa obrigação. Os grandes candidatos continuam a ser a Alemanha, a França e a Itália. E há outros adversários poderosos, como a Holanda, a Croácia e a Espanha.

Não me venham agora dizer que temos a obrigação de ser campeões.

segunda-feira, novembro 05, 2007

O "Jornal do Cuto"

Como quase todos os miúdos da minha geração, desde cedo que comecei a gostar de “quadradinhos”, em livro e em revista. Comprava regularmente o “Mundo de Aventuras”, o “Falcão”, a “Guerra”, entre outros títulos periódicos, para além de ser leitor habitual dos livros do Astérix, Lucky Luke, Hum-Pa-Pa, Timtim, Blake e Mortimer, Michel Vaillant.

Tinha para aí 8 anos quando o meu pai chegou a casa com um exemplar de uma nova revista que, ao contrário das que eu comprava na altura, apostava nas “histórias com continuação”. Tratava-se do nº7 do “Jornal do Cuto” (penso que os primeiros seis não terão chegado a Lourenço Marques), editado por Roussado Pinto, que coleccionaria religiosamente até meados de 1973 – todo o tempo em que a revista se manteve semanal, e ainda os primeiros números em que foi mensal; a seguir desinteressei-me.

Foi no “Jornal do Cuto” que primeiro contactei com o trabalho de mestres da BD como Alex Raymond (Flash Gordon e Rip Kirby) e Hal Foster (O Príncipe Valente), e outros bons autores como Dan Barry (também o Flash Gordon) e Russ Manning (Tarzan, de que começou agora a sair uma edição portuguesa).

Também por lá aparecia muita BD inglesa, frequentemente sem autor identificado (creio que Roussado Pinto fugia frequentemente a “pormenores” como a necessidade de pagar direitos de autor), muita dela do início do século (ainda sem balões) e também um “Homem Aranha” provavelmente dos anos 30/40 e que nada tem a ver com o conhecido herói da Marvel.

O Cuto propriamente dito era uma personagem criada pelo desenhador espanhol Jesus Blasco, e as suas aventuras eram presença regular na revista, bem como outras criações de Blasco e de outros autores espanhóis (Vítor Péon, Alberto Salinas com “Moira a Escrava de Roma”, J.L. Salinas com “Cisco Kid”).

Foram também presença assídua as aventuras ligadas ao mundo do futebol (“Peter o Gato”, “Billy o Botas”, “As Aventuras de J.R. Fantasma”), histórias portuguesas desenhadas frequentemente pelo excelente E.T. Coelho, o Popeye.

Em muitos números existiam nas páginas centrais pequenos posters de jogadores ou equipas de futebol do nosso campeonato, e também uma série de “Quadros da História de Portugal”.

Da leitura regular desta revista, em detrimento por exemplo da mais espectacular e a cores “Revista Timtim”, ficou-me para sempre um gosto especial pela BD clássica, maioritariamente da escola anglo-saxónica e da primeira metade do século, quase sempre a preto e branco e com origem nas “tiras” de jornais, ao contrário da maioria dos fãs portugueses de BD que quase sempre privilegiam a chamada “escola franco-belga”.

Quando regressei de Moçambique fiquei sem a minha colecção, e foi com alguma emoção que há cerca de 4 anos encontrei na “Loja das Colecções” quase todos os exemplares do meu “Cuto”, que tenho desde essa altura vindo a comprar. Tenho neste momento já completa a parte que mais me interessava, do nº1 (que nunca tinha tido) até ao nº93, de Março de 1973, ou seja, toda a fase semanal da revista.