quarta-feira, abril 23, 2008

Pedro Bandeira Freire

Pedro Bandeira Freire morreu há dias, e eu fico a pensar que queria escrever algo, mas sem saber bem o que dizer.

O facto é que nunca o conheci, embora tivéssemos amigos e conhecidos em comum. E é difícil falar que quem não se conhece.

Falar de Pedro Bandeira Freire é sobretudo falar do Quarteto, aquele conjunto de quatro salas (fechadas compulsivamente há poucas semanas), feitas à imagem das salas de “arte e ensaio” que na altura (anos 70, antes da Revolução) proliferavam em França e noutras partes da Europa.

O Quarteto foi a primeira sala em Portugal a mostrar um cinema diferente do que mostravam as salas existentes, um cinema fora do “mainstream”, como se diria hoje mas que é termo que na altura ninguém usaria.

Não há nenhum cinéfilo ou simples frequentador habitual de salas de cinema (não, não é a mesma coisa) com mais de 35 anos para quem o Quarteto nada diga, pelo menos se ele ou ela for lisboeta. Muitos filmes todos lá vimos que não teríamos visto de outra forma, pelo menos em Portugal.

A Cinemateca fez lá sessões, antes da reabertura da sala da Barata Salgueiro. O Fantasporto lá fez muitos anos as sessões à meia-noite da extensão do Fantas em Lisboa.

Há anos já que o Quarteto não era o que fora antes, o seu lugar há muito ocupado pelo King nas preferências dos cinéfilos; mas ainda assim de vez em quando algum filme aparecia que fazia lembrar tempos de outrora – lá vi ainda há poucos anos “O samurai do crepúsculo” e o primeiro filme de “Os infiltrados” – o tal que viria a inspirar Scorsese.

Sem o Pedro Bandeira Freire, é uma época que passa definitivamente para a História da cinefilia e da exibição cinematográfica em Portugal.

quarta-feira, abril 02, 2008

Cinemateca em Abril

Na Cinemateca como na generalidade do planeta, terminou Março e começou Abril.

Em Março, vi pela primeira vez três filmes húngaros de André De Toth, bastante mais interessantes do que seria de esperar; e um delirante filme alemão de 1931, “Bombas sobre Monte Carlo”, meio comédia meio musical, com a grande estrela que na altura era Hans ALbers e Ana Sten.

Ana Sten merece alguma atenção, mais pela biografia que pelo talento. Nascida na Rússia, começou a carreira na URSS – vi há pouco tempo “A Rapariga da Caixa de Chapéus”, de Boris Barnet, ainda mudo e onde ela estava muito bem. Depois veio para a Alemanha – e vi agora este filem de que falo acima, e onde Ana Sten está bem, sem estar excepcional. Finalmente, Goldwin levou-a para os EUA, onde continuou e rapidamente terminou a sua carreira. O primeiro filme que vi com ela foi aliás o fabuloso “Wedding Night”, de King Vidor, onde era por demais evidente que era ela o pior do filme. O ano passado vi “We Live Again”, de Rouben Mamoulian, e a impressão voltou a não ser a melhor. A língua inglesa foi uma séria barreira, e não tendo a fotogenia de Garbo nem o talento e beleza de Marlene, a sua carreira dificilmente poderia descolar. Os dois filmes europeus que vi dela indicam que poderia ter sido uma interessante actriz de comédia .

O facto mais assinalável em Março foi a nomeação de Pedro Mexia para Sub-Director da Cinemateca. Mexia dá hoje uma interessante entrevista à Time Out e penso que pode ser uma boa opção para se preparar para substituir Bénard da Costa quando este se retirar.

Ora bem, e Abril?

O principal é a continuação do ciclo André De Toth, com alguns filmes dos anos 40 e 50, incluindo os westerns com Randolph Scott – do que já vi, não estarão à altura dos de Budd Boetticher com o mesmo Scott, mas pode haver surpresas. Provavelmente, o melhor filme de De Toth será mesmo o fabuloso Day of The Outlaw que passou em Abril, mas nunca se sabe. Ah! Passa também o House of Wax com Vincent Price, que é muito bom; na altura foi feito também em 3D, mas não creio que passe essa versão agora.

Acaba o ciclo Rivette. Eu tinha visto muito pouca coisa, agora não vi tudo mas vi mais alguns, é de facto um cineasta muito singular. Rivette não conta histórias – encontra-as, tropeça nelas, afasta-se, persegue-as e é por elas perseguido. Os filmes são fragmentários e frequentemente desconexos – mas no final emerge a excelência das personagens, sobretudo as femininas, e um contagiante prazer de fazer cinema.

Haverá também uma homenagem a Antonioni, um mini-ciclo onde serão exibidos alguns filmes que não são vistos por cá desde o ciclo a ele dedicado em 1982. Chamo especial atenção para o não muito célebre “La Signora Senza Camelie” e para o singular “Zabriskie Point”, que andava por aí há uns anos numa cópia miserável. E claro é sempre necessário rever “O Mistério de Oberwald”.

Para além destes pratos fortes, os sortudos que podem frequentar as sessões das 15h30 à semana, “Divas às Matinées”, têm entre outros os dois únicos filmes da Shirley Temple dirigidos por cineastas dignos desse nome – um de Ford e outro de Allan Dwan – três filmes pouco ou nunca vistos de Pola Negri (sendo um de Lubitsch e outro de Stiller) e ainda um Richard Brooks com Bette Davis. Não vi nenhum destes filmes.

Na “História Permanente do Cinema”, aos Sábados, há como sempre muito por onde escolher. Eu destacaria “Lawrence of Arábia” (há quanto tempo não é visto numa sala?), e um filme de gangsters nunca visto chamado “Blood Money”,

Finalmente, um ciclo chamado “A Falsa Verdade do Cenário no Cinema” traz-nos algumas pérola: “Oh Rosalinda”, excelente Powell / Pressburger adaptando Johan Strauss, muito pouco visto e muito pouco bem visto; “The Exile”, Ophuls filma Fairbanks Jr. e Maria Montez num delirante “capa e espada”; “Weisse Reise” de Schroter, nunca vi e não sei se muita gente terá visto; “Peau D’Âne”, um Demy pouco conhecido com Deneuve na pele de burro da princesa do conto, menor mas interessante; um filme nunca visto do cineasta russo / soviético Protazonov, de que vimos há anos os excelentes “Aelita” e “O Raio da Morte”; “The Blue Bird” de Cukor, de que “toda a gente” diz mal, a ver se é desta que o vejo.

Bons filmes!