sexta-feira, junho 20, 2008

Cyd Charisse

Como falar de Cyd Charisse? De que falamos, quando falamos de Cyd Charisse? Falamos de beleza, elegância, graça, talento. Falamos de Cinema.

Comecemos pelo essencial – as pernas, sim, que Cyd era bailarina, e teve as mais belas pernas do Cinema (mesmo contando com Marlene), pernas que sustentavam o seu belo corpo, pernas e corpo que desafiavam as leis da gravidade e do desejo 24 vezes por segundo, ali mesmo à nossa frente, horas e horas a fio de encanto, mesmo quando à força de tantas revisões já sabíamos (sabemos) de cor cada movimento, cada passo, cada gesto, cada olhar (sim, porque com Cyd os olhos também dançam, e nós com eles, embalados por eles, porque onde não há olhar não há Cinema, mesmo o musical).

Se quisermos ter uma medida menos poética mas mais justa do seu talento, basta repararmos só neste facto – Cyd foi parceira regular dos dois maiores bailarinos do Cinema, Fred Astaire e Gene Kelly (a única que o fez, e isso já não é pouco). E apesar de ambos estes gigantes terem estilos muito diferentes, mesmo antagónicos, Cyd foi grande com ambos, e a ambos ajudou a serem ainda maiores. Dizer isto é dizer quase tudo.

Cyd Charisse participou assim nalguns dos maiores musicais dos anos 50: com Astaire, “The Band Wagon”, com o fabuloso bailado/passeio em Central Park; e esse grande e belo e tão subestimado “Silk Stockings”, que tem aquele que é o seu mais belo momento, um dos momentos mágicos e máximos do erotismo em Cinema, o bailado que dá nome ao filme, onde Cyd despe o austero traje de “comissária do povo da URSS” e veste as meias de seda, e o mais que as acompanha. Não há revolucionário empedernido que não a compreenda, e aplauda.

Com Gene Kelly, “It’s Always Fair Weather”, embora aqui a sua participação seja reduzida; mas depois dois dos maiores entre os maiores musicais; aquele que para muita gente é mesmo o maior de todos, “Singin’ In The Rain” (há uma “bipartidarização” nesta questão, sendo o outro “partido” o de “The Band Wagon”, também com ela, do qual já falei acima) em que ela nem é personagem da “história do filme” e apenas aparece a Gene Kelly na sequência onírica do bailado "Gotta Dance", aquele plano inesquecível em que Kelly desliza e para literalmente debaixo de uma das suas pernas esticada; e o meu muito amado “Brigadoon”, onde aqui sim é ela a personagem feminina principal e o amor de Kelly, que por ela troca NY por uma aldeia encantada na Escócia; quem não o faria?

E nos musicais em que não entrou devia ter entrado, não consigo ver “An American In Paris” sem pensar no filme que teria sido se fosse com ela, em vez do pãozinho sem sal que é Leslie Caron (que só está bem em “Gigi”, mas isso são contas de outro rosário).

Já em 1958, Cyd Charisse ainda consegue ser admirável num papel não musical, em “Party Girl” de Nicholas Ray, onde prova aqueles que ainda não sabiam (sim, também há desses) que é também uma extraordinária actriz (e é também por isso que foi a maior das bailarinas).

O que vem depois já não conta muito, pelo menos não para esta minha história; conheço quem ainda a tenha visto em palco há vinte e poucos anos (que inveja que eu tenho) mas eu não tive essa felicidade, a minha Cyd Charisse foi sempre a do écran, e essa volta sempre, regularmente, sempre que quero ou posso ver um destes filmes.

segunda-feira, junho 02, 2008

Cinemateca em Junho

Terminou Maio, e despedimo-nos do ciclo De Toth, e começou Junho.

Em Junho inicia-se um ciclo dedicado aos “50 Anos da Cinemateca”. Os filmes deste mês dispensam apresentações. Quem não viu, veja, sem hesitar, qualquer um deles.

No ciclo dos Anos 60, é difícil distinguir algum filmes, dada a qualidade e diversidade da selecção. No entanto, chamo a atenção para alguns filmes que creio nunca terem passado na Cinemateca: “Konkurs”, o primeiro filme de Forman; “I FIdanzati”, de ELmano Olmi; “Godzilla vs. Monster Zero”, um dos muito filmes desta série japonesa famosíssima; e “Danza Macabra”, de Antonio Margheriti, cineasta que viria a ser muito conhecido pelos seus “western spaghetti”.

Este último filme faz a ponte com um pequeno ciclo dedicado ao “giallo”, um sub-género de terror muito italiano que se desenvolveu em Itália nos anos 60 e 70, antecedendo o que viriam a ser os “slasher movies” americanos anos mais tarde (a série “Halloween”, a série “sexta-feira 13” e restantes muitos derivados). Filmes com muito sangue, entre o “thriller” e o terror puro. Passam alguns filmes de nomes célebres no género e no cinema de terror em geral, como Dário Argento, Lúcio Fulci, Mario Bava. E ainda um filme de Ricardo Freda, especialista em peplums, e até um insólito filme de Pupi Avati, um cineasta independente que ninguém conota com o género em causa.

No ciclo “Dos Factos às Lendas”, passa um Michael Curtiz pouco visto, “The Helen Morgan Story”, entre outros títulos bem conhecidos. Atenção, para os mais distraídos, à obra-prima “The Girl in the Red Velvet Swing”, de Richard FLeischer.

Na “História Permanente do Cinema”, aos sábados, estão alguns dos filmes mais interessantes do mês. Temos “Arrowsmith” de Ford, “La Ilúsion Viaja en Tranvia”, de Buñuel, “DEux Hommes dans Manhattan”, de Melville, “EL Cid”, de Anthony Mann, “Tormento”, de Rafael Matarazzo, e “Kwaidan”, de Kobayashi, tudo filmes há muito não vistos, ou mesmo nunca vistos, de cineastas importantes.

Outros ciclos trazem-nos “Major Dundee”, de Peckinpah, não sei se em versão restaurada ou não; “Casino”, de Scorsese, um dos grandes filmes dos últimos anos; “Man of the West”, de Anthony Mann, ou o “fim físico” do western (como “O Homem que Matou Liberty Valance” será o seu fim espiritual, ou ideológico, se quiserem); aqui o que se filma é o fim do próprio espaço físico do género, com a assombrosa sequência final na cidade onde deveria estar uma fortuna num banco, que se revela uma cidade-fantasma e acaba por ser um túmulo.

E ainda “Lancelot du Lac”, de Bresson, para mim um dos maiores filmes de Bresson, opinião que sei não ser partilhada por quase ninguém; arrisco-me a dizer que é o mais “hawksiano” filme de Bresson, no tratamento de “homens em grupo”, no papel da personagem feminina enquanto elemento perturbador do mesmo grupo; e atenção ao som, não se pode falar aqui em “banda sonora” no sentido clássico do termo, mas uma colecção de sons, das armas, cavalos, armaduras, num efeito quase abstracto que a mim me remete por exemplo para o posterior “The Birds”, de Hitchcock.
Bons filmes!