As declarações de António Borges
Vejam com atenção as
declarações de António Borges, nomeadamente o segundo parágrafo:
“Os nossos compromissos, neste momento,
são compromissos quase exclusivamente com a Europa. Nós já temos a economia
equilibrada. Em muitos sentidos, já não precisávamos de mais austeridade
nenhuma”.
Ao clarificar esta afirmação, António
Borges avançou que Portugal não precisa, de facto, de mais austeridade: “[Austeridade] no sentido macroeconómico
claro que não, porque já não temos défice externo”.
“É necessário cortar o défice público,
é uma coisa totalmente diferente”. E, para conseguir a redução do défice
público, o país não precisa de mais austeridade, mas sim de crescimento,
defendeu o consultor do Governo para as privatizações.
“O essencial para evitar a bancarrota já
desapareceu”, disse ainda o economista à Renascença.
Ou seja, António Borges explicita claramente o que nunca
tinha sido dito – o objectivo da austeridade, e em concreto do aumento
da carga fiscal, não era o combate ao défice público (que será feito essencialmente
do lado da despesa, como manda a escola de pensamento do FMI) mas sim o combate
ao défice externo.
O Governo tinha esse objectivo, que nunca foi explicitado
nem evidenciado, escondido pelo “som e
fúria” em torno do objectivo aparentemente principal de redução do défice
público para os valores acordados com a troika.
O aumento da carga fiscal não teve como objectivo principal
o aumento de receita fiscal como seria normal para cumprir o objectivo da
redução do défice público. Talvez por isso, quando em vez de aumento tivemos
diminuição da dita receita, o governo não se mostrou preocupado nem mudou de
estratégia, porque a receita fiscal não era o mais importante, ao
contrário do que fomos levados a crer.
O verdadeiro objectivo do aumento fiscal era de facto reduzir
o poder de compra dos portugueses
levando à redução do consumo interno, e a consequente redução das
importações e inversão do défice externo. Mesmo à custa de recessão económica e
desemprego, também eles absolutamente necessários para este objectivo.
Como país membro da
UE e no actual contexto da economia global, o governo não pode criar barreiras
às importações para diminuir o défice externo – assim, decidiu fazê-lo por via
fiscal interna. Propositada e conscientemente.
A austeridade, o desemprego e as falências de empresas não
foram uma consequência infeliz mas inevitável e incontrolável da necessidade de
ter o défice público abaixo dos 5%. Foram sim o objectivo principal da
estratégia do governo.
O empobrecimento do país é de facto a grande reforma
estrutural do governo.
Isto nunca foi dito, e é um bocado maquiavélico.